Não faltam, desde os tempos da filosofia clássica – Spinoza fê-lo de forma sublime – definições sobre o que é esta coisa da ética. Para mim, trata-se de algo muito simples: uma forma de estar na vida, norteada por valores positivos, quer em relação ao que fazemos, quer em relação à forma como interagimos com os outros.
Ter “ética” é ter uma conduta adequada, aplicando-a de forma livre, plena e institiva, a toda a hora. Quem tem ética não age, deliberadamente, de forma errada, perversa ou egoísta. Pelo contrário. Tenta fazer boas escolhas, mesmo quando as más são mais fáceis, apelativas ou benéficas.
A realidade, no entanto, é menos romântica.
Não é segredo para ninguém que a vida flui a alta velocidade, bem mais rápida do que a capacidade humana de a acompanhar. Ora, isso gera sentimentos de frustração em todos nós. Talvez por isso há quem seja seduzido pelo facilitismo, procurando atalhos duvidosos para chegar mais depressa às metas que fixou. Regra geral, o processo nem é consciente. O foco está momentaneamente desviado, só isso.
Mas além deste, mais desculpável, há outros motivos que justificam a completa ausência de valores: a ignorância de que são absolutamente preponderantes em cada um de nós, a ganância desenfreada e desmedida (porventura o pior de todos), a fragilidade momentânea (a vida pode levar-nos a decisões impensáveis) ou até mesmo a mera negligência. A chamada leviandade inconsciente.
Que fique claro que ter ética não pressupõe ser infalível. Aqui e ali, todos nós já fizemos a coisa errada quando só a certa era opção: quem nunca meteu uma cunha para ter algo primeiro do que os outros? Quem nunca aproveitou um lugar que não lhe pertencia, na fila da frente? Quem nunca pediu favores? Quem nunca?
Todos erramos sim, todos fazemos más escolhas pontuais. É o que nos move, na nossa estrutura, na alma e intenção, que diferencia a falibilidade humana da imoralidade deliberada.
Se olharmos para a nossa sociedade, reparamos que é nas áreas de maior poder e robustez financeira que abundam os maus exemplos.
O cidadão médio, o cidadão normal, pode ser “pouco ético” aqui e ali, mas o impacto exterior da sua conduta é pouco expressivo. Geralmente não atua de forma estratégica, mas movido por impulsos momentâneos, por feitio mesquinho ou personalidade conflituosa. É a maliciazita provinciana, vá. Bate e passa.
Diferente, bem diferente, é a tal falta de valores nas esferas maiores, como o futebol, a política ou a banca, com danos colaterais catastróficos. Em Portugal (e em tantos outros pontos do globo) isso é uma evidência diária e constante. Um modus operandi (quase) instituído.
Sem prejuízo de muitos comportamentos elogiáveis, não faltam exemplos públicos de condutas desviantes e impróprias – não confundir com ilegais, se bem que até isso é filosoficamente discutível – que chocam pela forma despudorada como são feitas:
-Promiscuidades sucessivas, ajustes diretos inconcebíveis, benefícios impróprios a familiares, contornos imorais de leis, regulamentos, cláusulas contratuais, etc., atos contrários a promessas anteriores, quebra de palavra e confiança, manifestações públicas que colidem com a deontologia dos cargos ocupados, declarações hostis, falsos testemunhos, acusações infundadas, enfim… um viveiro de falta de noção e vergonha. Um céu bem aberto de valores deturpados, enviesados e distorcidos.
Infelizmente, nesta matéria, não há muito que se possa fazer.
Cada qual é como é e faz o que quer. Como diria Paulo Anes, um génio do pensamento contemporâneo, o gato gata, o vento venta… e o homem escolhe. E faz as escolhas que prefere, sabendo que só as ilicitudes são crime (e até essas podem beneficiar de estratagemas duvidosos para se perderem na morosidade de processos e recursos).
Ainda assim, há que não baixar os braços.
Importa falar, denunciar, criticar e censurar, porque isso ajuda a beliscar o conforto de quem está imoralmente acima dos outros. E, nessa zona de conforto, onde moram chico-espertos, malabaristas e artistas de circo aparentemente intocáveis, qualquer areia na engrenagem serve de pedra no sapato.
Assim, lembram-se que há sempre uma alma atenta a escolhas discutíveis.