Autor

Vitor Pereira

Data: 01/10/2020

A história do Carlos Matos

Porque o presente foi construído no passado, achámos interessante partilhar este artigo de opinião escrito em 2000 pelo então árbitro internacional Vitor Pereira que nele contava a história de Carlos Matos, auxiliar que o acompanhou em todos os jogos internacionais. Percebe-se a importância de ter na equipa uma pessoa assim…

Hoje vou falar-vos de Carlos Matos. Árbitro assistente internacional desde 1992 e meu companheiro em todos os jogos internacionais que efectuo.

Começou a actividade de árbitro em 1977, já lá vão pois 23 anos. Não teve a pontinha de sorte indispensável para ver a sua promoção efectivar-se ao escalão nacional. Num ano subiram cinco… ele foi sexto. Na temporada seguinte foram promovidos quatro… ele foi quinto.

Assumiu por isso a carreira de assistente quando foi criado o quadro respectivo, tendo sido colega de equipa de Vítor Correia e Pinto Correia, entre outros, sendo hoje, o mais experiente dos assistentes portugueses. Na época que terminou confirmou a sua categoria e regularidade sendo mais uma vez (creio ter sido a quarta) o primeiro classificado no «ranking».

Carlos Matos é um homem calmo, ponderado, culto e equilibrado, inteligente e bem formado como ser humano. Crente e sincero. Respeitador e solidário. Incapaz de dizer uma asneira ou de elevar a voz, mesmo nas situações de maior tensão que, como por certo imaginarão, são aquelas que por nós passamos nesta actividade.

No princípio da década de oitenta frequentámos juntos o curso de treinadores de futebol de I nível. Ele, tal como eu, interessa-se por questões tácticas e estratégicas do jogo. É um grande companheiro. Vejam, através de extractos de dois faxes que me enviou, por altura de dois dos jogos que dirigi no Euro-2000, como é importante ter um colega assim na nossa equipa.

Em relação ao meu segundo jogo escreveu-me o seguinte «…penso que vai ser um jogo difícil porque (…) a Itália já está apurada, indo rodar alguns jogadores que tudo farão para agarrar o lugar. Tecnicamente muito evoluidos, a quem é difícil tirar a bola. A Suécia que ainda poderá ser apurada, depende do jogo da Bélgica disputado à mesma hora, tem um futebol essencialmente físico e de passe longo. Portanto jogo difícil e decisivo (…). Os primeiros dez minutos de ambas as partes vão ser importantes dadas as características do futebol praticado, latino um, nórdico outro…».

A seguir, no seu jeito discreto e sóbrio, analisou e elogiou o desempenho do primeiro jogo. Quando soube da minha nomeação para os quartos-de-final, correu a «faxar-me» dizendo: «Great!!! Congratulations for the appointement to the quarters final».

Foi, assim, contente, que me felicitou, entrando depois na leitura do jogo. Reparem nos promenores da analíse feita anterior. Diz ele que «o jogo tem características completamente diferentes dos anteriores. Sendo a eliminar vão jogar pelo seguro». Agora vejam o que escreve a seguir.

«Há que ter mil cuidados com Hagi porque é tacticamente muito evoluído com possibilidades de sobre ele serem cometidas faltas. Além disso, a postura dele é conflituosa pelo que se deve estar sempre próximo dele quando tiver a posse da bola e falar-lhe em castelhano para não dar chances e acender o rastilho. Atenção aos confrontos Hagi/Canavarro (…). Há que ter cuidado com a formação das barreiras não virar as costas aos possíveis conflitos».

Foram pequenos extractos de mensagens que fizeram antevisões perfeitas dos jogos. Às vezes dizemos que Matos tem… premonições. Lembram-se do fogo?

Percebem a importância de ter um auxiliar assim? Como as pessoas estão longe de saber o que diferencia os vários estilos e técnicas de arbitragem…

Fonte: TVI24