Paulo Costa critica o silêncio excessivo de Vítor Pereira na defesa dos seus árbitros





No adeus à arbitragem, Paulo Costa faz uma análise preocupante do sector em Portugal. Critica o silêncio excessivo de Vítor Pereira na defesa dos seus árbitros e o facto de não  os ter ouvido no processo da profissionalização


O campeonato começou agora e já se ouvem críticas às arbitragens. Os árbitros portugueses estão preparados para uma Liga cada vez mais exigente? Tenho a certeza que temos um lote apreciável de bons árbitros, assim como eles têm condições para render mais e melhor, caso as suas condições de trabalho se apro-ximem mais daquelas que têm os jogadores que eles arbitram. Situações como aconteceram na época passada em que os árbitros do Porto, durante vários meses, treinaram no parque da cidade, e cada um por si, são um exemplo do amadorismo que ainda vai imperando e que é inadmissível no futebol profissional.

Que avaliação faz do estado geral da arbitragem em Portugal? Avaliando o todo, o cenário é sombrio. Há uma falta de reformas que é gritante, tal a necessidade e o atraso que levam. Não se pode admitir, que todos os fins-de-semana haja dezenas de jogos sem árbitros. Não se compreende que os árbitros que sobem à 1.ª divisão sejam alvo de chacota pela sua selecção e que por isso ridicularizem o sistema de avaliação, que realmente está caduco. Também não se compreende esta continuada indecisão na profissionalização dos árbitros.

Posso depreender que então está tudo mal neste sector? Não, como já disse os árbitros têm qualidade e há sectores que denotam organização. Mas tem de existir competência e independência para uma política reformista.

Isso significa que actualmente não há competência nem independência? É importante, antes de mais, declarar aqui um registo de interesses. Eu tenho uma relação amistosa com alguns dirigentes da arbitragem, embora isso, não me retire a independência crítica, mas condiciona a abordagem pública de alguns conteúdos. E quando abordo a competência, peço mais competência para o sector e quando abordo independência, refiro-me sobretudo à intelectual.

O que falha mais: os árbitros, as pessoas que os lideram ou a falta de projectos? Os árbitros não falham com certeza, a não ser no exercício normal da sua difícil tarefa. Também não é importante apontar o dedo aos culpados, antes definir rumos. Sobre os projectos, sublinho a importância da sua existência, mas o sucesso reside na sua implementação e acompanhamento.

Uma das conclusões que conseguiu tirar do 'Apito Dourado' é a necessidade de alterar o sistema de avaliação. Considera que este sistema está caduco? Necessita de ser urgentemente alterado. Não se compreende, que após o "Apito Dourado" nada tenha sido feito regulamentarmente para alterar o que está errado. Curiosamente, o Tribunal de Lisboa, com a sua sentença, veio dar razão aos arguidos que não acreditaram cegamente nas notas dos observadores, compreendendo a óbvia razão subjacente à defesa. É portanto urgente regulamentar devidamente esta matéria, e os dirigentes terem assumidamente voz activa nas classificações e promoções.

Os árbitros têm a devida protecção de quem os lidera e do organismo onde estão integrados? Não, é insuficiente. Muitas vezes é preciso dizer presente e solicitar respeito. Os árbitros tal como as equipas de futebol apreciam e necessitam de ouvir a voz de um líder a defender o seu espaço, muitas vezes injustamente atacado só para esconder insuficiências de quem ataca. Esta pode ser fei-ta de uma forma soft, mas eficaz, sem criar ruído nefasto ao futebol.

Está a dizer que Vítor Pereira não está, como deveria, ao lado dos árbitros?Ao longo da sua presidência, o seu silêncio foi excessivo, contrariamente, por exemplo, ao Luís Guilherme, que sempre fez a defesa do grupo.

Vítor Pereira tem capacidade para desempenhar o cargo?Tecnicamente tem.

Só tecnicamente?É o seu ponto forte.

O actual projecto de semiprofissionalização é o ideal para a evolução que se deseja para arbitragem? O projecto apresentado na época passada foi um passo na melhoria da preparação dos árbitros. Contudo, só será profícuo se as partes se sentirem bem. E as partes são os árbitros e a Liga. É importante que não sejam os árbitros a pagar o custo do profissionalismo.

Perante a realidade do nosso futebol, das condições da Liga, este projecto para a arbitragem surge no momento certo? Surge com atraso de alguns anos, até porque mais de 12 Ligas da Europa já estão em velocidade cruzeiro neste tipo de preparação. E não pode continuar a ser a arbitragem o sector amador do futebol.

Mas este projecto de Vítor Pereira tem recebido algumas críticas. Considera que tem viabilidade ou está condenado ao fracasso? Não discutindo modelos ou vontades, a profissionalização em si, é um processo perfeitamente irreversível. E só quem sabe quantos árbitros há desempregados ou com empregos precários ou mesmo à porta do desemprego percebe a problemática existente e a sensibilidade do assunto.

Para si qual é o modelo ideal? Ninguém pode ditar ou impor de forma unilateral um modelo de profissionalização, a importância da questão é tão grande que exige uma conversa franca e aberta com os árbitros, para perceber em pormenor a realidade do grupo. E só a partir daí se pode passar à fase seguinte. Profissionalizar é mexer com a vida dos árbitros e das suas famílias. É possivelmente o assunto mais melindroso da implementação da profissionalização. E quem não entender isto, é porque nunca teve responsabilidade na gestão de recursos humanos.

Árbitros tiveram voz no projecto? Infelizmente não. Aliás, a insatisfação reinante no seio dos árbitros deriva das elevadas expectativas que lhes foram criadas.

Pelo que conhece dos árbitros, a maioria tem disponibilidade para conciliar a vida profissional com a arbitragem? Não é fácil a totalidade dos árbitros conciliar as duas situações. Qual é o patrão que tem possibilidade para dispensar um funcionário duas tardes por semana? Há pelo menos dois árbitros que conseguiram uma redução horária que lhes permite ter mais tempo para a arbitragem. Os que trabalham por conta própria podem gerir melhor o seu tempo, os restantes só se ficarem no desemprego.

Há condições financeiras na Liga que garantam aos árbitros a adesão à semiprofissionalização? Pelo que é público, os árbitros recebem menos de 40 % do valor do patrocínio da "Era", portanto a Liga conseguiu mais um canal de financiamento através da arbitragem. Certo é que a vontade económica das partes ainda não se encontrou.

Acha que Vítor Pereira não se recandidataria se não tivesse recebido asgarantias para implementar o seu projecto? É voz corrente que o presidente da Liga lhas deu.

Estrangeiros a dirigir jogos da Liga seria solução para acabar com as polémicas? Não faz sentido. Quando as pessoas dizem isso fazem-no em desespero de causa para esconder algumas insuficiências do seu clube.

Mas o próprio presidente da Comissão de Arbitragem disse isso na época passada... Isso tem duas leituras, primeiro ele é o presidente de uma Comissão de Arbitragem da Associação das Ligas europeias, fica-lhe bem dizer isso. Depois, porque sabendo das solicitações que os juízes portugueses têm para apitar outras ligas é politicamente correcto dizer que há abertura. Mas isso só em tese, na prática não faz sentido.

Fonte: DN Desporto