Autor

Duarte Gomes

Data: 08/11/2020

Quem acha que chega em primeiro se controlar o rival, está condenado a perder a corrida.

Faltam vinte e nove jornadas para que se encerrem as contas do campeonato. Se a pandemia não estragar os planos (e esperamos que não estrague), o fim de época acontecerá algures em maio do próximo ano.

É muito tempo. E são muitos jogos.

Enquanto lá dentro jogadores, staff técnico e árbitros mantêm a sua habitual dedicação e entrega – agora num contexto de dificuldade acrescida -, cá fora começa a desenhar-se, mais uma vez, um ambiente hostil. Um ambiente crescentemente tenso, que é francamente desfavorável às fundações éticas que uma indústria deste calibre deve manter.

Ninguém saberá explicar bem porquê, mas por cá há muito que se “decretou” que o rival desportivo é, acima de tudo, o inimigo a abater.

É uma ideia chocante. Uma aberração cultural, que nem a nossa latinidade consegue justificar. É como se a plenitude de cada vitória só fosse alcançada quando o adversário é derrotado. Quando o maior concorrente é esmagado.

Essa é, na verdade, uma ideia errada. O atleta que acha que chega em primeiro se controlar o rival, está condenado a perder a corrida. Só ganha aquele que tem a consciência que a vitória depende apenas de si.

No mundo da bola, não é bem assim.

Regra geral, quando as coisas começam a correr mal, a estratégia passa por criar números de circo que tentam fragilizar a imagem e credibilidade da concorrência. Isso serve para distrair o povo, para canalizar atenções para o acessório e para não assumir fracassos internos. É quase primitivo, mas por incrível que pareça, funciona.

Se olharmos para tudo isto com distância, lucidez e alguma racionalidade, percebemos que este tipo de condutas são a antítese de tudo o que se deseja. É nula em valores. É feia e censurável. É quase sempre injusta e desproporcional. Passa para o exterior uma ideia de comando errada, exercida pela via do conflito, o que é um atentado à inteligência de quem sabe que numa “guerra” nunca há paz nem vencedores.

São várias as razões que levam algumas pessoas a este tipo de devaneios, a esta aproximação desviante às bases. Carreirismo, cobardia, insegurança, tentativa de pressionar terceiros, mania de perseguição, má-fé, egocentrismo, narcisismo, populismo, demagogia, excesso de clubite ou apenas… um pavoroso mau perder? Sabe Deus.

O que se sabe é que quando são reiteradas e prolongadas no tempo, quando são sistemáticas, quando não acrescentam valor, não são normais. São patológicas e precisam de ajuda.

Essa estranha forma de estar (e ser) desvirtua o trabalho de quem, cá fora, também sabe ser sério e competente. De quem trabalha muito e bem. E pior: desvaloriza o profissionalismo de quem é importante de verdade. De quem é protagonista a sério: todos os que oferecem o seu talento e saber em campo.

Haja paciência. E haja quem tenha a coragem de meter esta malta no sítio, porque o que andam a fazer ao futebol, época após época, é desastroso e tem consequências péssimas para a imagem e bom-nome da indústria.

Este texto reflete a opinião de quem andou muito tempo lá dentro e que está há algum tempo cá fora. É um ponto de vista genérico, que corresponde a uma convicção pessoal. Não é direcionado, porque se fosse teria nomes e exemplos concretos.

Vejam-no como um apelo bem intencionado, como um ponto de partida para a reflexão.

O poder acarreta responsabilidades. A maior é a obrigação moral de atuar com valores e qualidade humana. Se não for assim, não vale a pena.

Fonte: Expresso