Autor

Duarte Gomes

Data: 02/09/2022

Os jornalistas presentes na flash interview tinham (ou têm) conhecimento que só podiam fazer perguntas sobre situações decorrentes do jogo?

Não é possível fugir ao tema que marca a atualidade desportiva, sobretudo por tratar-se de uma situação atípica e muito pouco comum no futebol português. Para ser claro: a jornalista Rita Latas, da Sport TV – operador televisivo titular do direito de transmissão dos jogos das ligas Bwin e Sabseg – foi ‘surpreendida’ com a instauração de um processo disciplinar por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Como se sabe, esclarecimento posterior indicou que a decisão surgiu devido a factos com “relevância disciplinar” relatados no relatório pelo delegado ao jogo. Devo adiantar, por ser da mais elementar justiça, que não tenho nenhuma qualificação técnica ou conhecimento de causa para fazer comentários avalizados sobre este assunto.

O que tenho, como toda a gente terá, é o direito à opinião e essa resulta do que vejo, leio e ouço numa área – a do futebol – que também é minha. Penso que a justiça efetiva deste episódio ficará reposta quando tivermos respostas objetivas a várias questões.

Questões sobre as quais importa refletir, para evitar que situações destas se repitam no futuro. Comecemos pela alínea a) do n.º 1 do Art. 91.° do atual Regulamento de Competições da Liga Portugal:

– É lícita ou até constitucional a limitação regulamentar das questões que um jornalista, no âmbito da sua atividade, pode fazer numa flash interview?

– A Sport TV tinha conhecimento e/ou aceitou livremente essa limitação, em sede e local próprios?

– A Sport TV ou a imprensa em geral (CNID, etc.) foram consultados ou informados sobre essa prerrogativa, aquando da sua elaboração/constituição?

– Alguém comunicou, em devido tempo, à imprensa que a sua ação, naquele espaço, estaria limitada às incidências técnicas do jogo?

– Pode um jornalista ser, em algum momento, equiparado a um agente desportivo? Isso é legal, constitucional? Ético?

– Pode um jornalista, num estado de direito democrático, ser alvo de um processo disciplinar por parte de um órgão disciplinar desportivo?

– Está um órgão disciplinar efetivamente ‘obrigado’ a abrir processo disciplinar aquando da “violação regulamentar” de parte de uma alínea de um qualquer artigo ou goza de autonomia/independência jurídica para não o fazer alegando, por exemplo, a aparente inconstitucionalidade da norma?

– Os jornalistas presentes na flash interview tinham (ou têm) conhecimento que só podiam fazer perguntas sobre situações decorrentes do jogo? Se tinham, aceitaram? Se aceitaram, porque se queixam? Se não tinham, estariam obrigados a ter? E seriam ‘obrigados’ a acatar termos que podiam entender como lesivos da sua liberdade?

– Em última análise e sem prejuízo do que formalmente está estipulado, não haverá aqui – para efeitos de perceção pública, da imagem que todos teremos sobre isto – uma colisão entre disposição regulamentar e liberdade de imprensa, expressa no Art. 38° da Constituição da República Portuguesa?

São demasiadas questões para as quais não tenho resposta, confesso…, mas gostava muito de as ver respondidas e esclarecidas oportunamente, por quem de direito. Penso que mora aí, nessas explicações públicas, a solução de um tema tão dispensável quanto inconveniente.

Nota 1 – Um aplauso para a postura profissional do treinador Rúben Amorim. Recusou amavelmente a resposta naquele instante, mas deu-a mais tarde (em sede de conferência de imprensa), como prometera e com desassombro e elegância. Como sempre.

Nota 2 – Um abraço à Rita Latas, jornalista de qualidade ímpar, uma lufada de ar fresco num mundo onde ainda prolifera demasiada testosterona. A pergunta que levantou foi atual, pertinente, relevante e colocada com respeito profissional e elevação. Não se pode pedir mais a quem mantém ética deontológica na sua função.

O melhor mesmo é que se ultrapasse este momento infeliz rapidamente e de forma justa para todos. Há que seguir em frente, porque o futebol português tem que continuar a crescer.

Fonte: Expresso