Os erros terminarão com a vinda de árbitros estrangeiros?
A proposta de hoje é refletirmos de frente, com profundidade e pragmatismo, sobre esta realidade.
Por partes.
A ideia de haver “permuta” de árbitros entre diferentes países não é recente. Não nasceu hoje nem ontem. Se alguém vos disser o contrário, está a mentir.
O grande “pai” desta ideia é a UEFA, que em 2004 (há 17 anos, portanto) propôs às suas federações nacionais que aderissem a programas de intercâmbio de árbitros.
Na altura, o princípio era tão simples quanto louvável: permitir que os mais novos, os recém-chegados à primeira categoria (ou mais inexperientes) pudessem conhecer outras realidades competitivas, sem focos de pressão domésticos. No fundo, contribuir para o seu desenvolvimento através de jogos no estrangeiro, proporcionando-lhes experiências distintas das suas. Tudo isso em ambiente de cooperação, partilha e conhecimento mútuos.
Regra de ouro veemente sublinhada pelo organismo europeu: que nesse processo ficassem de fora partidas decisivas. Dérbis, clássicos e jogos de risco estariam excluídos, porque ferirem de morte o espírito didático da iniciativa.
Curiosamente ou não, foram muito poucos (ou nenhuns) os países que aderiram ao desafio.
Em 2012 e no mandato de Vítor Pereira, o Regulamento de Arbitragem da LPFP passou a contemplar essa possibilidade, mas foi só em 2016 que o conceito passou a estar plasmado oficialmente nos regulamentos da FPF.
A ideia-base pressupunha o intercâmbio de serviços em “condições de igualdade”, que resultaria de protocolo ou contrato assinado entre federações aderentes.
Na prática, isso ainda não aconteceu. Não até hoje.
O que aconteceu (e que é bem diferente) foi o envio de equipas de arbitragem portuguesas para o estrangeiro, a fim de dirigirem jogos oficiais de outros campeonatos.
Que fique claro: isso nunca resultou de qualquer acordo de reciprocidade, mas porque as federações ali em causa – a da Grécia ou da Arábia Saudita, para citar dois exemplos – solicitaram “reforços” internacionais, por lidarem internamente com problemas graves: a primeira (que está intervencionada por UEFA e FIFA) por suspeitas recorrentes de manipulação de resultados e fenómenos de violência sobre agentes de arbitragem; a segunda por reconhecer que os seus juízes são inexperientes/incompetentes para a dimensão das suas provas.
Conclusão: nestas duas situações não houve fim pedagógico, houve apenas questões circunstanciais que levaram a um processo de cooperação unilateral (nós fomos lá, eles não vieram cá).
Relativamente ao intercâmbio que poderá acontecer já a partir da próxima época, o que se espera é que siga o seu registo original, privilegiando árbitros mais jovens/inexperientes em fase de maturação e crescimento.
O pior que poderia acontecer, na mensagem negativa que isso passaria para o exterior, seria a “permuta” de juízes para arbitrarem jogos relevantes/impactantes do nosso campeonato. É que os nossos árbitros são, em proporção, tão ou mais competentes que os treinadores, jogadores e dirigentes da 1ª Liga.
A haver intercâmbio alicerçado numa alegada incapacidade técnica dos nossos árbitros, na sua eventual “vulnerabilidade” à pressão ou apenas para silenciar críticas mais ferozes, então que se pensasse também numa forma de recambiar para outras federações um número significativo de agentes desportivos portugueses (lato sensu), que por cá evidenciam fragilidades a vários níveis.
Sejamos sinceros: questões de fundo não se resolvem com pensos rápidos.
Aquela ideia romântica de que “era bom, para eles perceberem que os outros também erram” é grão de areia numa praia extensa. Seria tapar o sol com a peneira. Uma espécie de “ora toma lá” infantil num jogo que é tudo menos de meninos.
Inócuo. Não colhe, não ajuda nem soluciona.
Clubes e adeptos já sabem – todos sabemos – que o número e dimensão de erros cometidos em campo não se medem pela nacionalidade dos árbitros.
O que nós precisamos é de um “refresh cultural” de proporções bíblicas, porque esta coisa de se assinalarem demasiadas faltas e de termos tempo útil de jogo inferior a uma das suas partes (parece incrível, mas é verdade), está longe, muito longe de ser responsabilidade exclusiva de arbitragens mais defensivas.
Um destes dias, falaremos aqui sobre isso.