Não há volta a dar: quando o árbitro erra é ladrão, corrupto ou incompetente.
Esta lógica (?) é real. É a lógica do dia a dia, há muitos, muitos dias.
Não sei se sabem, mas o árbitro é malandro desde que surgiu no futebol moderno (dizem que por Terras de Sua Majestade, em meados do Séc. XIX).
Dizem também que antes dos árbitros fazerem parte do jogo, este era bem mais divertido. E era mais divertido porque jogava-se com outra pureza e liberdade, sem regras nem paragens, sem apitos nem cartões. Era tão genuíno como ainda hoje é aquele que os miúdos jogam ao pé de casa ou no recreio da escola.
CAÍAM, ESFOLAVAM-SE, LEVANTAVAM-SE E SEGUIAM…
Naquela altura, quando um jogador gritava “falta”, todos os outros paravam e ninguém se chateava (muito). Caíam, esfolavam-se, levantavam-se e seguiam… até o sol desaparecer e a noite cair.
Tudo seria perfeito se o jogo entretanto não crescesse… mas cresceu. E cresceu muito.
Cresceu de tal forma que começou a atrair a atenção de mais pessoas e praticantes, de alguma imprensa e investidores. Os grupos de amigos passaram a organizar-se e fundaram clubes. Surgiram as primeiras provas, as primeiras partidas mais a sério.
Está fácil de ver que, com o passar do tempo, dizer “pára tudo” já não funcionava. Ninguém ouvia nada porque o público só gritava. Por isso….começava tudo à pancada.
O PALANQUE VEIO ABAIXO UMA SÉRIE DE VEZES
Para evitar o descontrolo total, decidiram criar um terceiro elemento. Um elemento neutro, que não pertencesse a nenhum dos lados e que soubesse ajuizar com distância e isenção. Adivinhem quem?
Exato. O árbitro.
Consta que os primeiros árbitros iam para uma espécie de palanque que era colocado ao alto, com vista para o pelado. Quando uma equipa achava que tinha razão nalguma situação, subia escadaria acima para protestar e exigir justiça. Reparem: não subia um nem dois… subiam todos!
Está fácil de ver que o palanque, que era de madeira e mal amanhado, veio abaixo uma série de vezes. O árbitro começou a apanhar logo aí.
Eles endoideciam com a decisão e o povo não lhes perdoava a opção. Triste sina.
Naquela altura, eram vistos como os “desmancha prazeres”. Aqueles que castravam a essência do jogo e a liberdade dos atletas.
É engraçado que, passados tantos anos, esse sentimento ainda perdura na mente de muita gente.
Dizia-se que, com árbitros a mandar, o jogo perdia espectacularidade e emotividade. Eu digo que, sem árbitros a regular, esses escalaram rapidamente para exibições gratuitas de pugilato e full-contact.
Perspetivas.
AS PRIMEIRAS REGRAS DO JOGO
Como a história do palanque não funcionou, mandaram o homem lá para dentro e criaram as primeiras regras do jogo. Para evitar confusões, ficou logo decidido que só um jogador podia falar com o árbitro. Esse seria aquele que usasse um boné, algo que os distinguia dos outros.
Foi aliás o boné (“cap”, em inglês) que passou a definir o atleta que ainda hoje é o único responsável da equipa: o cap…itão.
Com o passar do tempo, o futebol evoluiu extraordinariamente e hoje é o mundo que é.
As competições profissionalizaram-se e as equipas multiplicaram-se. O futebol tornou-se numa das mais poderosas e modernas indústrias do planeta. Movimenta milhares de milhões de euros por época, dá emprego a centenas de milhões de pessoas e cria ídolos e lendas um pouco por todo o lado. É porventura o maior fenómeno sociológico que existe. Aquele que mais desperta paixões e adultera emoções. Uma verdadeira loucura.
A única coisa que não progrediu foi a imagem que a perceção pública ainda tem do árbitro.
Século e meio depois, os juízes de campo continuam a ser os eternos maus da fita. Os mesmos ladrões e incompetentes que eram em mil oitocentos e troca o passo. Os verdadeiros “desmancha-prazeres”.
As coisas são como são e há coisas que nunca deixarão de ser o que sempre foram. Infelizmente.