Autor

Duarte Gomes

Data: 09/10/2023

O árbitro não pode, a cada lance mais delicado, colocar o dedo no auricular

O árbitro não pode, a cada lance mais delicado, colocar o dedo no auricular, como que dizendo: “Calma, o VAR já me diz se acertei ou não”

Independentemente do ruído constante, da histeria irracional, das cortinas de fumo atirados ao vento e da intolerância crescente que tantas vezes segue caminhos perigosos, a verdade é que a qualidade global das nossas arbitragens está longe, muito longe, de estar ao nível que se exige numa competição profissional de futebol.

Essa é a minha opinião e gostava muito de pensar que ela pode ajudar a uma reflexão profunda nesta matéria.

O argumento de que a arbitragem é um agente desportivo relevante não serve apenas para defendê-la de ataques maliciosos, nem para condenar aqueles que insistem em ser desonestos nas suas apreciações. Também serve para responsabilizá-la, para exigir dela mais e maior empenho, atenção e qualidade.
Não é fácil ser árbitro, sei bem disso. Arbitrar é porventura a função mais difícil de exercer em qualquer atividade desportiva.

Árbitros não têm adeptos, elogios ou aplausos. Não têm reconhecimento dos outros. Têm apenas dedos acusadores apontados na sua direção, à espera do erro (ou da perceção de erro) que prejudica uns ou beneficia outros.

E quando esse erro realmente acontece, quando ele é factual e óbvio, a forma como o seu autor é atacado é quase desumana.

Entramos aí noutro nível. No da impunidade grosseira que tem como grandes responsáveis não os terroristas de algibeira que atiram as granadas, mas aqueles que, tendo poder para os impedir, nada fazem.

Não é uma história nova. É assim desde sempre e não parece mudar nos tempos que aí vêm.

Mas os árbitros sabem que este é o futebol que temos. Os árbitros escolheram esta carreira, trabalharam muito para chegar ao mais alto nível e sabem que, com esse privilégio fantástico, vem um conjunto de exigências difíceis de gerir.

Num jogo que infelizmente tem tanto de emocional como de irracional, é importante que todos eles tenham arcaboiço mental e intelectual para lidar com momentos, atitudes e circunstâncias que dificilmente seriam toleradas em qualquer outra atividade.

E sem prejuízo de tudo o que podem (e devem) fazer contra quem atente contra a sua honra e bom-nome, a melhor resposta que darão sempre é em campo, oferecendo arbitragens empenhadas, focadas e competentes.

E voltamos ao início: os nossos árbitros estão a falhar aí.

Seja pela natural inexperiência dos mais novos ou pela visível acomodação de alguns dos mais velhos (notória em alguns casos), tem havido uma sucessão de erros nas duas ligas profissionais que só se justificam por desleixo, falta de concentração ou de estofo para lidar com a pressão.

Não há outro motivo.

Em sala, a ‘linha de intervenção’ dos vídeo árbitros está cada vez mais incoerente: enquanto uns mantêm a máxima de só atuarem perante erros claros e óbvios, outros intervêm em situações demasiado interpretativas, cuja essência do protocolo jamais pediria recomendação. Isso tem que ser melhorado com urgência.
Em campo, nota-se cada vez mais um certo encosto a esse paraquedas chamado VAR. Não se devia. A tecnologia complementa, não substitui.

O árbitro continua a ser dono e senhor da decisão, que deve assumir com personalidade e de cabeça bem levantada. O árbitro não pode ser alguém que, a cada lance mais delicado, coloca o dedo no auricular, como que dizendo a quem protesta: “ Calma, calma… o vídeo árbitro já me diz se acertei ou não… calma.”

De novo, mal.

Mas além dessa muleta, parece haver também menos presença em campo. Alguns árbitros parecem reféns da pressão e permitem que isso afete o seu foco. Outros simplesmente parecem estar a cumprir um horário de trabalho, sem aparecerem, sem se mostrarem, sem se afirmarem como donos do jogo.

É importante que percebam a enormíssima responsabilidade que carregam nos ombros: hoje em dia (e cada vez mais) um golo, um penálti ou um vermelho não são apenas decisões mecânicas para o histórico. São momentos fundamentais que podem definir promoções, carreiras e milhões.

É preciso que entendam bem que, com estatuto, retorno financeiro e projeção de carreira, vem a exigência. E acho sinceramente que, a espaços, aqui e ali, tem faltado isso a alguns agentes de arbitragem. Nestas coisas, a culpa nunca é de um nem de dois, obviamente: é de todos.

A ‘equipa da arbitragem’ é vasta, tem agentes dentro e fora do relvado e, tal como acontece com qualquer outra, também eles são co-responsáveis pelo que de bom e menos acontece, em termos de resultados e objetivos. É preciso que o percebam também.

O segredo é que não tem segredo nenhum: trabalhar muito melhor. Exigir muito mais. Ambicionar o impossível.

Fonte: Expresso