Autor

Jorge Faustino

Data: 12/10/2018

Intencionalidade

Ouvi e li várias opiniões esta semana sobre dois lances onde, ao fazer-se a análise decisão do árbitro relativamente à ação faltosa dos defesas, se defendeu que estas não mereciam exibição de cartão amarelo por falta de intenção dos infratores. Refiro-me aos lances que ditaram as expulsões (por segundo cartão amarelo) dos jogadores do Benfica Rúben Dias, para a Liga dos Campeões, e Lema, no jogo com FC Porto.

Vou “utilizar” estes dois casos, não para fazer uma avaliação da correcta ou incorrecta decisão dos árbitros (esclareço, no entanto, que em ambos os casos defendo como boas as decisões tomadas), mas porque são bons exemplos para abordar a temática da intencionalidade na avaliação de certas decisões técnicas (falta ou não falta) e/ou decisões disciplinares (cartão ou não cartão).

A Lei 12, Faltas e Incorreções, refere que “um pontapé-livre direto é concedido à equipa adversária do jogador que cometa uma das seguintes infrações por imprudência, negligência ou com força excessiva”, elencando depois as faltas existentes entre as quais “dar ou tentar dar um pontapé num adversário”.Não está, portanto, definido na Lei que tenha de existir intenção de um jogador para que este seja culpado de uma falta quando se trata de pontapear um adversário. É fácil perceber o quão injusto seria para um atacante, e para o futebol, se este levasse um pontapé sem querer de um defesa no momento em que ia marcar um golo e que, por essa razão, não o conseguisse fazer. A intenção não conta, assim, para análise do resultado de uma ação. Concretizando, Rúben Dias poderia ter apenas intenção de chutar a bola, mas acertou no peito do adversário. Lema estava com os olhos na bola, mas também acertou no adversário. Dois lances em que dois jogadores, alegadamente apenas focados na bola, tiveram a infelicidade de cometer falta sobre adversários. Não restou aos árbitros dos respetivos jogos outra possibilidade que não, assinalar as respetivas infrações.

No capítulo disciplinar a intencionalidade já poderá ser critério a considerar na decisão de exibir cartão amarelo, vermelho ou de não exibir. Nestes dois casos, no entanto, a intencionalidade nada tem a ver com a exibição dos cartões.

Rúben Dias viu cartão amarelo porque o árbitro considerou a sua ação como negligente. Uma falta negligente é aquela que é “praticada por um jogador sem ter em conta (ignorando) o perigo, ou as consequências, para o adversário”. Tentar chutar a bola à altura do peito quando há a possibilidade de um adversário também a tentar disputar de forma legal e não perigosa (cabeça ou peito) é um dos exemplos mais óbvios (para o International Board) de ignorar o perigo para o adversário. Foi isso que aconteceu. O cartão amarelo era incontornável.

Lema, focado na bola e tentanto apenas jogá-la, acabou por pontapear o braço do seu adversário. Foi uma falta imprudente. Daquelas que não trazem perigo para a integridade física do adversário. A dita, falta normal do futebol. O cartão amarelo justifica-se, e aqui a diferença com o lance de Rúben Dias, não pela gravidade da falta em si, mas pela sua consequência para o jogo. Ao cometer aquela falta, o jogador do Benfica, interrompeu um ataque onde, caso esta não tivesse acontecido, o seu adversário ficaria com a bola controlada, em direção à baliza do Benfica e apenas com um central e o guarda-redes pela frente. Os princípios para se considerar como ataque prometedor estavam ali todos e, por isso, também neste caso foi inevitável a exibição do cartão amarelo.

Nota: Foram segundos amarelos que resultaram, por isso, em expulsões. Caso contrário muito pouca gente discutiria a justiça e correção da exibição destes cartões amarelos.

 

Artigo publicado no jornal Record na edição de 10Out2018