Autor

Duarte Gomes

Data: 12/09/2023

Inconformados ou maldizentes?

Para a esmagadora maioria das pessoas nada nunca está bem, nada é como tinha obrigação que ser, nada agrada plenamente. Somos assim, uns eternos resmungões.

Ainda a tinta não secou e já estamos a dizer mal do pintor, da pintura e da obra. Porquê? Porque sim.

Não sei se é defeito ou feitio, não sei se está enraizado na nossa essência e ADN ou se é apenas sinal de tempos de maior intolerância ou nervosismo. O que sei é que nem sempre é justo, nem sempre é merecido.

“Eles não jogam nada…”

Vejam o exemplo mais recente, o da nossa seleção: cinco jogos, cinco vitórias, cem por cento de eficácia, pontuação máxima, primeiro lugar destacado e pé e meio no próximo europeu (sem calculadoras nem calafrios de última hora). Chega? Claro que não!

“Eles não jogam nada… o homem só convoca quem quer… foram estes e não foram aqueles… o grupo é fraco… a exibição foi confrangedora… a tática foi péssima…”.
Mérito aos resultados? Zero. Elogio à caminhada vitoriosa? Nunca. Reconhecimento de que os outros também jogam, que nem todos os dias é dia de gala, que nem sempre é possível ganhar a brilhar? Claro que não! Para quê? Para quê dizer bem se podemos arrasar e dar cabo da autoestima da malta, dizendo mal?

A verdade é que raramente nos saciamos.

Parece que fazer reparos a toda a hora ou dar coices a tudo o mexe é que faz sentido, mesmo que seja o médico a dar lições de mecânica ao mecânico ou o mecânico a ensinar medicina ao médico.
Elogiar não encaixa no perfil moderno do maldizer social.

Para que esta opinião não seja mal interpretada, que fique claro: é fundamental que sejamos exigentes connosco e com os outros. É fundamental que queiramos mais e melhor, a toda a hora. Essa exigência é boa. Obriga à superação, à melhoria, à excelência.

Mas caramba! Parece que nada é suficiente para encher a alma desta gente.

A seleção do tempo do Engenheiro

Ainda no futebol (e não dando para o bónus para a clubite)… pensem na seleção do tempo do Engenheiro. Era igual. Igual, não. Pior!

O homem deu-nos o que nunca ninguém nos deu antes! Fez de nós Campeões Europeus! Eu vou repetir: Campeões Europeus! E ainda nos levou à conquista da Liga das Nações!! Resultado?
“É defensivo… não arrisca… tem medo… a equipa não tem nota artística… não convoca quem merece… não põe a jogar quem é melhor… tem que ir embora”..

A cultura do “bota-abaixo” está ao rubro mais do que nunca.

É assustadora a forma como em cada um de nós mora um selecionador, um árbitro, um governante, um magistrado, um escritor, um magistrado ou um influencer. Sabemos tudo sobre tudo e até mais do que quem realmente sabe, porque quem realmente sabe, na verdade, nunca sabe nada. Valha-me Deus.

Esquecemo-nos de valorizar e aplaudir

Vejam outro exemplo recente, o da arbitragem.

“Não esclarecem… não falam… não pedem desculpas… não são transparentes…”.

Esta época já houve esclarecimentos públicos sobre situações de jogo (até um comunicado a reconhecer erro de avaliação) e foi adotada estratégia de divulgar áudios das conversas entre árbitros e VAR, algo que toda a gente exigia há séculos. Adivinhem?

“Falaram naquele jogo mas no outro estiveram caladinhos… agora quero ver se vai ser igual com este e aquele… é sempre contra os mesmos… isto só lá vai com uma limpeza geral… deviam era mostrar as outras comunicações, não estas… isto é mandar areia para os olhos e tal”…
Mais do mesmo. Nada, mas mesmo nada do que se faça, diga ou escreva será suficiente. Isso vale para o desporto, para a política, justiça ou qualquer outra área de atividade.

Falta-nos empatia e tolerância.

Estamos demasiado saturados. Carregamos peso a mais, sentimos a pressão de momentos difíceis e deixamos de compreender, de dar tempo, de esperar.

Esquecemo-nos de valorizar e aplaudir, tal a vontade de bater e massacrar.

Preso por ter e preso por não ter.

Que seja só uma fase, porque faltando ainda tanto por fazer, convém reconhecer que já há muito a ser feito…

Esperança, minha gente. Vai correr bem.

Fonte: SIC Notícias