Um lance recente, relativo à repetição de um pontapé de penálti, gerou alguma perturbação junto da opinião pública. Isso aconteceu porque, no caso, confundiu-se preciosismo do árbitro com obrigação de aplicar a lei. Sem prejuízo de outras, não são raras as vezes em que um conjunto de lances bem analisados gera contestação exterior porque as pessoas, simplesmente, desconhecem as regras do jogo.
Isso é, em certa medida, compreensível.
A paixão pelo clube é grande e os adeptos não têm nem tempo nem paciência para conhecer, ao detalhe, cada uma das dezassete leis de jogo (mais instruções, recomendações, alterações, protocolos, regulamentos, etc, etc).
O que já não é compreensível (nem aconselhável) é que esse desconhecimento se estenda também aos agentes do jogo e a quem tem por missão acompanha-lo, analisa-lo e comenta-lo, cá fora.
Vejam isto noutra ótica: se eu for jogar à sueca com um grupo de amigos, tenho que saber com quantas cartas fico, qual é o trunfo em cada jogada e quantos pontos valem, por exemplo, ás, rainha e valete. Certo? Se eu quiser arriscar-me no golfe, convém saber quantos buracos tem o campo, o que é um green, um eagle ou um birdie e quantas pancadas devo dar para passar para a fase seguinte. Certo? Se eu estiver a conduzir, dá jeito ter carta de condução, conhecer o código de estrada e saber o que é uma passadeira, um traço contínuo ou um semáforo. Certo?
Moral da história: há coisas na vida que só podemos fazer se conhecermos bem as regras que as regulam. Se soubermos a base que as suporta. Tal como a sueca, o golfe ou a condução, o futebol é assim. Uma realidade que devemos conhecer para jogar, treinar, dirigir ou comentar.
Mas, na verdade – e sem prejuízo de meia dúzia de pessoas bem informadas -, a maioria dos agentes ligados ao jogo não conhece as leis. Isso é, em certa medida, estranho, porque a ferocidade de algumas críticas dá, para o exterior, a sensação de que há fundamentação legal. De que há um conhecimento profundo e sério das regras, o que nem sempre é verdade.
É assim que nascem a desinformação, o rumor e as fake news, cujos danos colaterais já muitos sentiram na pele.
Ora isso é algo que pode e deve ser resolvido com relativa facilidade.
Apesar de não faltarem sites, blogs e páginas carregadas de informação – e apesar também da boa vontade das estruturas em esclarecer, no início de cada época, as alterações às regras-, a verdade é que ninguém quer perder muito tempo a ler PDF’s maçudos ou ir a reuniões em que se expliquem questões genéricas sobre leis de jogo. Não há, nessas, o estímulo vital: o do caso concreto. O do lance que prejudicou, o da decisão que gerou controvérsia, o do momento que toda a gente falou.
As coisas são como são.
Sabendo que a cenourinha faz correr o coelhinho, importa então fazer o inverso: caminhar na direção das pessoas. Importa perceber que o sucesso da sensibilização, do conhecimento e da passagem de informação passa pela proatividade. Passa por haver iniciativa, sobretudo quando as dúvidas aumentam e as questões aparecem.
“Dar a cara” aí é fundamental porque mostra coragem, transparência e orientação para a solução. É preciso mandar para o terreno gente capaz, que saiba ouvir, entender e comunicar. Gente que saiba explicar. É preciso fazer o trabalho de formiguinha, pisando e repisando, as vezes que forem necessárias, os pressupostos da lei junto de quem mais precisa de as ouvir e (re)aprender.
É preciso explicar uma, duas, dez vezes a mesma coisa. E é preciso “acudir” a momentos de exceção, esclarecendo pontualmente situações atípicas que, a não serem bem explicadas na hora, poderão potenciar dias, semanas e meses de especulação, desconfiança e perturbação.
Tudo deve ser feito com estratégia, planeamento e consistência. Com qualidade e clareza. De forma abrangente e uniforme. O diálogo foi sempre a ferramenta mais fácil para o entendimento entre as pessoas. Se hoje o coração estiver a ferver, amanhã a cabeça vai entender.
Garantidamente.
Quando a arbitragem conseguir dar esse passo, o balão vai esvaziar, a censura vai diluir e a confiança vai aumentar.
Escrevam… basta falar.