Facto: no passado sábado, a seleção nacional foi prejudicada por um erro grosseiro, que não pode nem deve acontecer em alta competição.
Esse erro – em função do timing (último minuto) e impacto (a bola que entrou daria, muito possivelmente, a vitória a Portugal) – assumiu dimensão internacional.
Se tentarmos perceber o que terá acontecido, chegaremos à conclusão que houve ali vários responsáveis:
– o mais direto foi o árbitro assistente, que devia ter seguido a trajetória da bola até ao fim (o remate não levava muita velocidade). Além disso, não havia análise de fora de jogo em equação. Ali o trabalho era simples: acompanhar a jogada e ver se a bola entrava ou não na baliza;
– depois, o árbitro principal que, sem qualquer culpa direta na matéria, é o chefe de equipa e responsável por todas as suas decisões. Para o bem e para o mal;
– por último, a UEFA e FIFA por terem facilitado. Por não terem criado, entre si ou a solo, condições para que jogos desta importância tivessem o apoio da videoarbitragem ou da tecnologia da linha de golo.
Como se percebe, a culpa não morreu solteira. Em campo, houve incompetência momentânea, desconcentração, comodismo ou pura falta de sensibilidade. Cá fora houve negligência.
Mas hoje importa pensar na outra face da moeda. A dos limites que a “nossa” indignação deve ter quando confrontada com situações desta natureza.
Todos nós (acreditem, eu também) ficámos irritados, frustrados, magoados. Somos todos Portugal e, a quente, tudo aquilo incomodou demasiado. Verdade.
O problema é que muitos – e aqui excluo jogadores e técnicos nacionais, que criticaram mas com educação e elevação – voltaram a cair na tentação habitual: a de aproveitar o prejuízo para dramatizar. E como nós adoramos um bom drama:
– “Isto foi um roubo”, “foi de propósito”, “a FIFA é corrupta”, “fomos gamados, espoliados”, “é sempre a mesma coisa”, “não nos querem lá”, etc, etc.
Esta alma lusa deve fazer corar de vergonha os nomes eternos desta enorme nação.
Não. Não foi um roubo, foi um erro. E não, não fomos gamados. Fomos prejudicados por uma má decisão. Ponto final, parágrafo.
Que o adepto mais irado faça esse papel, tudo bem. Faz parte. Agora que a revolta em tons de vitimização saia da boca de gente com outras responsabilidades… não.
Jornalistas credenciados, comentadores desportivos, políticos, dirigentes associativos e até autarcas… vi e li de tudo um pouco, em mau. Em muito mau.
Gente assim, nessa posição, pode dizer o que pensa em privado, mas não pode nunca fazê-lo em público. Não de modo tão pequenino, a desfilar odes persecutórias nas redes sociais, televisão ou em artigos de opinião. E não podem porque a função que ocupam exige-lhes conduta diferente. Exige-lhes que sejam mais e melhores. Exige-lhes que sejam maiores.
De cada vez que alguém assim entra pela via da ofensa, do desabafo brejeiro ou da irracionalidade de opinião, está a contribuir para o exato oposto que o cargo lhe exige. Além disso, está a reforçar o tal sentimento de inferioridade que parece que gostamos de alimentar aos olhos dos outros. Como se ter a caridade emocional do mundo nos ajudasse a carpir as mágoa, a afagar a auto-estima. Nem o calimero tinha tanta pena de si mesmo.
Vamos ter que mudar o chip de uma vez por todas e passar a ter mais graciosidade na derrota, ainda que injusta, ainda que prejudicial, ainda que em circunstâncias assim, tão feias.
Censurar a decisão, apurar responsabilidades, exigir mudanças estruturais… sim! Mas daí a cair no erro de especular sobre premeditação e afins vai uma grande distância. A mesma que separa os pobres de espírito dos que sabem aceitar as vicissitudes do jogo, que ora prejudica, ora beneficia.
Gostava muito que déssemos esse salto cultural. Todos nós. Seria importante para a afirmação da nossa grandeza pessoal e nacional.
A linha é ténue mas mora de um lado ou de outro quem quer, quem pode… ou quem não sabe mais.