Na passada semana escrevi aqui sobre o meu papel como comentador especialista de arbitragem e sobre a forma como sou condicionado na visão e opiniões que tenho sobre a arbitragem no geral e sobre as atuações dos árbitros em particular. Hoje volto à temática, de forma mais alargada, não centrando a questão em mim ou no meu papel, mas sim naquilo que já são, hoje em dia, profissões a tempo inteiro para uns e atividades paralelas razoavelmente rentáveis para outros.
Refiro-me às funções de comentador especialista de arbitragem na comunicação social e à de consultor/assessor especialista de arbitragem ao serviço dos clubes. Atualmente são já cerca de 12 os ex-árbitros a colaborar com jornais e canais de televisão de âmbito nacional na qualidade de especialistas de arbitragem. O número de ex-árbitros a colaborar de forma regular com clubes será mais reduzido e menos fácil de rastrear. Este grupo de ex-árbitros é bastante heterogéneo. Há quem tenha deixado o ativo há um mês e há quem tenha deixado de apitar há 25 anos. Há ex-árbitros internacionais, outros que nunca apitaram futebol profissional e há até quem apenas tenha feito carreira como árbitro assistente. Os critérios de escolha destes especialistas de arbitragem estão, natural e corretamente, nas mãos de quem os contrata: jornais, canais e clubes. Haverá quem prefira um ex-árbitro com mais currículo, outros preferem um com melhor imagem ou mais bem-falante, outros optam por alguém com uma imagem pública mais ‘limpa’ e haverá quem prefira um mais maleável.
Quero acreditar que quando um órgão de comunicação social ou clube contrata um ex-árbitro, independentemente dos perfis e características que acima descrevi, procura alguém que conheça as Leis e Regulamentos, que esteja atualizado quanto à interpretação dos mesmos e que use esses conhecimentos e experiência para analisar os lances.
A minha questão, que surge em defesa da função que atualmente desempenho, é: quem avalia os conhecimentos dessas pessoas (ex-árbitros) garantindo que estão aptas para a função? O último teste de arbitragem que fiz (formalmente) foi em 2015. Quem garante que depois disso voltei a estudar o Livro das Leis de Jogo? Quem garante que todos os anos estudo as alterações às Leis e Regulamentos? Quem garante que eu tenho a formação adequada para poder opinar sobre o VAR? A credibilidade da arbitragem passa por credibilizar todos os seus agentes. E os ex-árbitros especialistas em arbitragem devem ser olhados pelas estruturas da arbitragem portuguesa como seus agentes. Não numa perspetiva de seus funcionários, colaboradores ou ‘cartilheiros’, mas como alguém que, falando de arbitragem, deveria ser formado, avaliado e certificado para o efeito.
Acredito que seria mais um passo para a melhoria do nosso futebol se a APAF ou a FPF, através da Academia de Arbitragem, passassem a fazer formações regulares para ex-árbitros de forma a certificarem os seus conhecimentos e competências para as funções de comentador de arbitragem e/ou assessor de clube para a arbitragem. Claro que depois teríamos dois desafios. O primeiro seria ver quem seriam os ex-árbitros que se sujeitariam a estas formações e avaliações. E aqui começaríamos a perceber as diferenças de postura, dedicação e motivações entre os envolvidos nestas funções. O segundo seria ver quais os órgãos de comunicação social e clubes que iriam escolher ter como colaboradores alguém certificado e quais os que optariam por ter ‘especialistas de arbitragem’ não certificados. A análise desta escolha seria interessante pois permitiria esclarecer-nos sobre o papel, mais ou menos sério, que essas entidades esperam de um especialista de arbitragem.
Artigo de opinião publicado no jornal Record de 8 de maio de 2019