Ana Raquel Brochado, a primeira mulher a arbitrar jogos dos quadros nacionais masculinos de futebol, deixou o apito, mas mantém-se ao serviço da arbitragem, no Gabinete de Investigação e Formação (GIF) do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
Em declarações à agência Lusa, esta militar da Força Aérea recordou ''16 anos de grande vivência desportiva'', que fizeram com que fosse, desde 17 de setembro de 2006, a primeira mulher a arbitrar um jogo das competições nacionais de seniores masculinos, no caso o encontro entre Bombarralense e Monsanto, da III Divisão.
''São momentos que me irão acompanhar para sempre'', reconheceu Ana Raquel Brochado, de 32 anos, salientando os ensinamentos que retirou da ''escola de virtudes que é a arbitragem, ''com a sua estrutura, regras e procedimentos''.
Pioneira num mundo de homens, a antiga árbitra considerou ter herdado exemplos de luta e dedicação na arbitragem feminina.
''Tentei elevá-la ao patamar superior e espero ter deixado alguma marca para a geração seguinte'', frisou, recordando várias situações, algumas menos agradáveis, mas sobretudo as motivadoras, como a iniciativa de um clube oferecer bilhetes às mulheres quando se estreou a arbitrar seniores masculinos na ilha Terceira - uma prática que Ana Raquel Brochado julga manter-se.
Mas também um ''episódio'' com um adepto muito particular, presente num jogo de iniciados no sul do país.
''O adepto insistia com o meu árbitro assistente para que lhe dissesse o meu nome. Apesar de, infelizmente, estarmos habituados que estas perguntas não tenham os melhores motivos, ele, tendo em conta o ambiente pacífico do jogo, acedeu a responder à curiosidade. O adepto disse que queria o meu nome para fazer um cartaz a pedir-me a camisola'', lembrou.
Os primeiros minutos dos jogos serviam para ''dissipar as dúvidas dos jogadores sobre as capacidades para dirigir jogos'', naquele que é um dos exemplos de discriminação que assume ter vivido, no entanto, considera que estes eram provocados mais por adeptos do que por jogadores e ''principalmente por mulheres'', que revelavam ''machismo'' e ''alguma falta de cultura desportiva''.
Apesar da ''simpatia e cuidado'' sentida no meio, Ana Raquel Brochado admite ter sentido a ''necessidade constante de ser muitas vezes superior aos colegas árbitros homens para conseguir ter o mesmo reconhecimento''.
''No início da minha carreira, um observador escreveu no relatório que eu tinha sido 'uma agradável surpresa'. Eu não esqueço esse comentário e tenho a certeza de que o fez com boa intenção, mas não deixa de mostrar um grande preconceito. Acho que a predisposição de quem vê o desempenho de uma mulher a arbitrar é um aspeto que joga contra as mulheres árbitras'', referiu.
Sem arbitrar desde o final da última época, Ana Raquel Brochado justifica a sua saída com a necessidade de ''dar prioridade a aspetos importantes da vida que foram sempre deixados para segundo plano por força das 'urgências' da arbitragem''.
Atualmente, além de militar da Força Aérea e de ter concluído o mestrado em Gestão do Desporto em junho de 2012, sob a temática do perfil funcional do árbitro de futebol, Ana Raquel Brochado pretende ''pôr ao serviço da arbitragem feminina portuguesa a experiência e conhecimento'' acumulados na sua carreira, nomeadamente através do GIF, no âmbito do Conselho de Arbitragem da FPF.
E, para a antiga árbitra, a arbitragem feminina enfrenta alguns obstáculos, sociais e históricos, mas a sua evolução e afirmação é uma ''inevitabilidade''.
Fonte: Lusa
- 16 Oct, 2024
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