O Sporting solicitou na Assembleia Geral da Liga, que decorreu esta terça-feira, alterações no respeita às comunicações dos árbitros com o VAR, com os “leões” a defenderam que clubes pudessem pedir o acesso às gravações das conversas dos respetivos jogos, de forma a poderem usá-las como prova em sede de procedimento disciplinar.
I Liga. FC Porto e Benfica entre os clubes que rejeitaram propostas do Sporting em AG da Liga
Sobre este assunto, a Liga Portugal pediu opinião ao Conselho de Arbitragem, tendo recebido um parecer, que foi dado a conhecer na AG de terça-feira. Nele é referido que “as normas propostas afiguram-se ilegais, naturalmente face à Lei, e inadmissíveis face às orientações vinculativas do IFAB e da FIFA”.
O parecer na íntegra
Por e-mail datado de 4 de junho de 2022, V. Exa. vem informar este Conselho de Arbitragem de que foi remetida uma proposta de alteração ao Regulamento Disciplinar, por parte de um associado da Liga Portugal, que sugere retificações ao artigo 13.º, al. h), bem como a introdução de um novo artigo 15.º-A.
Relativamente ao artigo 13.º, al. h), a alteração proposta visa incluir no leque de princípios fundamentais do procedimento disciplinar a garantia de acesso do arguido, em 24 horas, não só das gravações resultantes dos sistemas de comunicação da equipa de arbitragem, nem como das comunicações entre o árbitro principal e o VAR.
No novo artigo 15.º-A – que, diga-se desde já, tem tudo menos conteúdo de norma disciplinar – é determinado que as gravações entre os elementos da equipa de arbitragem deve ser objeto de gravação, referindo ainda que tal gravação será utilizada para avaliação dos elementos da equipa de arbitragem, para a sua formação, para prova em procedimento disciplinar e para disponibilização ao clube que o requeira, relativamente aos jogos em que participou.
Ou seja, se no artigo 13.º ainda nos movemos no campo de um processo disciplinar – e o eventual acesso a estas gravações apenas poderá ser dado nesse âmbito -, no artigo 15.º-A as possibilidades são infinitas, já que se confere a possibilidade de um clube pedir, sem mais, acesso às gravações sem qualquer motivo ou fundamento que o justifique.
No seguimento da enunciação de tais propostas, V. Exa. solicita “que esse Conselho de Arbitragem efetue a competente análise e apreciação e nos informe da legalidade/ou incompatibilidade das referidas propostas, nos termos das normas aplicáveis e em vigor” referindo ainda que “no dia 7 de junho, terá lugar a Assembleia Geral de discussão das referidas propostas, razão pela qual se mostra da maior importância que as V. considerações cheguem a esta Liga Portugal até ao dia 6 do corrente mês.”
Em primeiro lugar, refira-se que uma matéria de tão grande importância merecia uma reflexão mais profunda, sendo o prazo fornecido para pronúncia manifestamente insuficiente para uma adequada e detalhada exposição sobre a mesma.
Em qualquer caso, as normas propostas afiguram-se ilegais, naturalmente face à Lei, e inadmissíveis face às orientações vinculativas do IFAB e da FIFA, conforme veremos.
O acesso a áudios da equipa de arbitragem e entre equipa de arbitragem e VAR é considerada inadmissível perante o IFAB e a FIFA. Na circular n.º 18 do IFAB, de 7 de abril de 2020, é referido que “It was furthermore agreed that more insight into the decision-making process, for example access to the conversation between match officials during a review, would not be appropriate at this point, but that more effort should be made to enhance existing communication approaches to improve understanding of the review process and the referee”s final decision.”. No seguimento desta circular, a FIFA emitiu também uma, com data de 3 de setembro de 2020, destinada a todos os Conselhos de Arbitragem de todas as federações de futebol, referindo expressamente que é proibido ceder quaisquer gravações deste tipo, e que qualquer incumprimento a esta determinação será entendido como violação do protocolo VAR.
Este posicionamento do IFAB e da FIFA não conheceu qualquer mudança até ao momento.
Igualmente, não existe nenhuma outra Federação que permita este acesso incondicionado a gravações da equipa de arbitragem.
Fica claro, portanto, que a comunidade desportiva que regula esta matéria é inequívoca ao determinar a impossibilidade de ceder estas gravações e que a aprovação de normas do género das propostas iria implicar violação do protocolo VAR, com as consequências daí advenientes.
Por outro lado, é importante referir que existe uma diferença entre uma ordem por parte de uma entidade com poderes jurisdicionais para juntar determinada gravação – se a mesma existir, naturalmente – ou a possibilidade de, sem qualquer motivo ou fundamento, se requerer o acesso à mesma.
Refira-se, ainda, que o artigo 15.º-A regula matéria estritamente reservada à competência do Conselho de Arbitragem. Com efeito, estipula o artigo 45.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Federações Desportivas que “Cabe ao conselho de arbitragem, sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos, coordenar e administrar a actividade da arbitragem, estabelecer os parâmetros de formação dos árbitros e proceder à classificação técnica destes”, pelo que uma norma deste género, ao regulamentar questões relacionadas com a avaliação e a formação dos árbitros, proposta por uma Sociedade Desportiva, se afigura ilegal.
Por outro lado, este artigo 15.º-A afigura-se, apenas e tão-só, como uma porta de acesso a todas as gravações áudio que existam, quer entre VAR e equipa de arbitragem quer entre os elementos da equipa de arbitragem, sem que exista qualquer fundamento, nem sequer processo disciplinar em curso. Sem este nexo de causalidade com qualquer processo disciplinar, este artigo é, também por esta via, inadmissível por falta de competência da Assembleia Geral da Liga para o aprovar no seio de um Regulamento Disciplinar.
Aliás, existem fundadas dúvidas se este tipo de acesso seria compatível com o regime de proteção de dados pessoais.
Outras considerações, que atenta a manifesta ilegalidade e inadmissibilidade das alterações propostas ficam para segundo plano, mas que não podem deixar de ser referidas, dizem respeito ao incompreensível prazo de 24 horas para aceder a gravações, cujo custo para a sua concretização e manutenção não está sequer assumido pela Liga Portugal ou quanto ao período durante o qual se deveriam manter estas gravações.
Estas considerações, como dissemos, secundárias, apenas vêm evidenciar a total carência de lógica e fundamento para as sugestões agora propostas.
Face ao exposto, entendemos que estas propostas devem ser liminarmente rejeitadas, sob pena de ilegalidade e violação do protocolo VAR, com as consequências que daí advêm.”