Chegam manhã cedo, vindos de vários pontos do distrito. Este sábado não há jogos. É dia de reciclagem avaliativa e de aperfeiçoamento. Os árbitros filiados no Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Castelo Branco querem "errar cada vez menos" e entregam-se estoicamente às exigências do programa.
Acompanhámos durante um dia os nossos árbitros. Seguimos o trabalho "invisível" que desenvolvem para aos fins-de-semana se poderem apresentar em boas condições. A jornada inicia-se com o teste escrito, seguem-se esclarecimentos da parte da Comissão de Apoio Técnico e, porque não há tempo a perder, deslocam-se das instalações da Escola Superior Agrária de Castelo Branco para o Complexo Desportivo do Bairro do Valongo, onde decorrem as provas físicas.
Apenas um vacila. E são setenta sobre o tartan. Ana Caiola, a benjamim do vasto grupo, porta-se lindamente. "Tem características de atleta. Para além de conhecedora das Leis de Jogo, bate-se com os rapazes na parte física", elogia José Gonçalves, observador de árbitros da 1ª Liga e membro da Comissão de Apoio Técnico.
Há ainda tempo para simular situações de jogo e avaliar as decisões dos mais novos. A tarde é passada, integralmente, dentro de um auditório, ouvindo os "mestres", expondo dúvidas, defendendo pontos de vista. São 18 horas quando cada um ruma aos seus lares.
"É mais um dia retirado às famílias e aos nossos afazeres, para podermos estar em forma e permanentemente actualizados", refere Ricardo Alexandre, que há duas décadas está ligado à causa. Ricardo Fontes, de uma geração mais recente, salienta que "a vida de árbitro vai muito além dos jogos. As pessoas não se apercebem, mas há todo um trabalho por trás". Porque o que os árbitros não gostam mesmo é de "cometer erros". E, dizem-nos, "ninguém fica mais aborrecido que nós quando eles acontecem".
É uma missão ingrata. E facilmente alvo de críticas. "Normalmente crítica mais, quem ganha menos vezes", diz Jorge Nunes. O líder da arbitragem distrital fala de um quadro desportivo que limita imenso os árbitros do seu Conselho: "temos um campeonato distrital com um número reduzido de jogos. Não temos 2ª divisão e em juniores são três partidas por jornada. Vejam o quanto difícil é, nestas circunstâncias, manter um critério abrangente e equilibrado". E manter os árbitros motivados. "Onde é que podem aprender?", é uma questão que o dirigente levanta.
A complexidade do assunto chega ao ponto de "termos de promover os árbitros à 1ª categoria sem terem jogos". "As pessoas têm de compreender o quão complicado é gerir a arbitragem neste contexto. Como é que os nossos árbitros podem evoluir, aprender, aperfeiçoarem-se, se não há jogos para fazerem?", acrescenta Jorge Nunes.
Respira-se juventude. Não será, seguramente, por falta de novos valores que o futuro da arbitragem estará em risco no distrito de Castelo Branco. Aliás, até cedemos árbitros à Associação de Leiria. "Chegámos a enviar tantos árbitros para Leiria, como os que tínhamos a actuar no nosso campeonato. Esta época não têm precisado tanto", refere Jorge Nunes. "É uma pena, pois suprimia a lacuna dos poucos jogos. Não é fácil motivar um árbitro, sabendo que ao fim-de-semana pode não ter jogo para dirigir", adita Ricardo Alexandre, um dos mais respeitados nos campos do distrito.
Já Ricardo Fontes, o árbitro do concelho da Sertã, destaca outro aspecto negativo de uma liga distrital de seniores com apenas onze clubes: "Apitamos uma equipa hoje e dentro de quinze dias podemos apanhá-la novamente: Se o jogo anterior correu bem, somos os melhores, mas se correu mal...".
Dos mais velhos, o chefe espera colaboração. E, pelo ambiente que presenciámos ao longo do dia, têm-na: "solicitamos que incentivem estes jovens, que lhes facultem todo o apoio. Só assim garantiremos continuidade e mais qualidade". Jorge Nunes lembra que "temos aqui árbitros que nos próximos anos irão estar na Federação. E nós não queremos que os árbitros de Castelo Branco vão ao nacional ver como é! Queremos que cheguem e se instalem". Neste particular a época transacta não correu muito bem, mas comparativamente a um passado não muito distante a representatividade nos escalões nacionais não tem nada a ver! Mas Jorge Nunes quer mais. Exige mais! Até porque, recorrendo a uma ilação de Ricardo Alexandre, "a arbitragem é uma função de valor. E que oferece a possibilidade de carreira".
Todas as épocas são realizadas duas reciclagens a título obrigatório. Há ainda uma avaliação intermédia, três testes escritos intermédios e um teste classificativo. Nas provas escritas quem não atinge a barreira dos 70 pontos é penalizado.
"Muitos agentes não ligam a nada disto. Esperam que, de preferência, os árbitros apitem em favor das suas equipas. Felizmente esse número está a diminuir e há cada vez mais pessoas a apreciarem o trabalho dos árbitros". Jorge Nunes prossegue: "os atletas têm de treinar, os treinadores têm de estar actualizados, mas os árbitros, obrigatoriamente, por regulamento, têm de estar sempre preparados, porque a todo o momento são chamados a fazer prova do seu conhecimento"
Para o presidente do Conselho de Arbitragem, "hoje não é apenas ir para o campo e acertar as decisões. É a capacidade de resposta a casos anormais, de resolver em dois ou três segundos uma situação atípica".
Fonte: Reconquista