Pedro Proença – “Dirigentes têm visão muito curta”

Pedro Proença acha inconcebível que os juízes portugueses continuem num registo amador no futebol actual e critica a inoperância de Vítor Pereira, presidente da Comissão de Arbitragem. Garante que nunca foi pressionado.



CM - A Liga pretende que os árbitros sejam avaliados com recurso a imagens televisivas, além dos observadores. Concorda?
Pedro Proença – Aceito essa medida, desde que os mesmos meios estejam ao dispor dos clubes da Liga e da Honra.
CM - Vítor Pereira deveria sair da Comissão de Arbitragem por não ter implementado a profissionalização?
Pedro Proença - Se esse era um dos pilares fundamentais do projecto de Vítor Pereira para a Comissão de Arbitragem da Liga e partindo do pressuposto que não lhe foram dadas condições para o implementar, acho que não deveria continuar. Afinal, está num projecto que não é o dele.

CM - A profissionalização é inevitável?
Pedro Proença - Sim. Mas os dirigentes do futebol português não a querem, pois são pessoas de visão muito curta. Não conseguem pensar o futebol a médio e longo prazo. Se assim o perspectivassem perceberiam que se querem vender um espectáculo apetecível para as pessoas têm de credibilizá-lo. É inconcebível que no futebol actual toda a gente seja profissional, desde o roupeiro ao presidente, enquanto a arbitragem, que tem tanta responsabilidade, continue amadora.

CM - Ganha mais como director financeiro ou como árbitro?
Pedro Proença No meu emprego.

CM - Se a arbitragem fosse profissionalizada no próximo ano, deixava o seu emprego?
Pedro Proença - Nunca abdicaria do meu emprego para ser um árbitro exclusivamente profissional. Tenho 40 ano e a carreira dos árbitros acaba aos 45.

CM - Com a profissionalização, os árbitros poderão estar mais protegidos da pressão dos clubes?
Pedro Proença - Penso que sim, mas isso parte de quem organiza os campeonatos. Na UEFA ou na FIFA, as equipas de arbitragem são uma continuação da organização. Essa protecção não acontece em Portugal.

CM - Em média, quanto ganha um árbitro por mês?
Pedro Proença - Um jogo da Liga dá 1000 euros, na Honra dá 500. Se apitar dois da principal e mais dois da segunda dá 3 mil euros/mês.

CM - Acha que muitos dos seus colegas deixavam o emprego por 3 mil euros?
Pedro Proença - Recebemos pelos jogos que fazemos. Um trabalhador dependente ganha o mesmo rendimento durante 14 meses e está protegido pela Segurança Social. Nós não. Somos prestadores de serviços a recibo verde. Se estivermos lesionados não recebemos. E se precisarmos de um médico, pagamos nós.

CM - Que análise faz a 2010/11?
Pedro Proença - Os árbitros estiveram muito bem. Não foi pelas arbitragens que se decidiu o campeão e quem desceu de divisão.

CM - Ficou em 1º lugar no ranking dos árbitros...
Pedro Proença - É sinal de que tive a fortuna de ter tido performances mais positivas, mas não sou o melhor nem de longe nem de perto.

CM - Se pudesse, o que mudava já esta época?
Pedro Proença - Avançava com a profissionalização da Comissão de Arbitragem e de todos os seus técnicos.

CM - Já foi pressionado ou recebeu algum telefonema?
Pedro Proença - Nunca. Quem está pressionado é quem ganha o salário mínimo nacional.

CM - Há algum campo onde se sinta mais pressionado?
Pedro Proença - Há jogos que, pela sua envolvência, exigem mais de nós, caso dos dérbis.

CM - Nunca fugiu de jogadores, como aconteceu com José Pratas num FC Porto-Benfica, em Coimbra?
Pedro Proença - Isso depende das personalidades. Eu não fujo de ninguém. Falho muitas vezes, mas não fujo.

CM - Os árbitros deviam pedir desculpa pelos seus erros?
Pedro Proença - Somos humanos e falíveis. Só vemos 80 por cento do que se passa no jogo. Pedir desculpa não serve para nada.

CM - Os comentadores televisivos passam-lhe ao lado?
Pedro Proença - Têm de passar, não há outra forma. Caso contrário, andava todos os dias a Xanax. Só dou importância às pessoas que me merecem importância.

CM - Passa mal a noite quando comete erros?
Pedro Proença - Já passei, quando era mais jovem. Agora não, pois tenho mais experiência. Entro sempre para falhar o menos possível.

CM - Costumam ‘chateá-lo’ no emprego pelos erros?
Pedro Proença - Felizmente tenho um cargo de destaque e as pessoas tratam--me de maneira diferente. Mas o futebol mexe com as pessoas. Há que aceitar o facto de não termos um papel simpático.

CM - Estuda os jogadores antes das partidas?
Pedro Proença - Fazemos um ‘scouting’ exaustivo. Faz parte da preparação. Serve para antecipar os cenários.

CM - Concorda com os cinco árbitros por jogo?
Pedro Proença - As pessoas não percebem a importância dos árbitros de baliza porque eles não fazem gestos, apenas comunicam. Mas ajudam muito. Uma vez não vi um penálti e o árbitro de baliza deu-me essa indicação.

CM - Concorda com a tecnologia na arbitragem?
Pedro Proença - Concordo com tudo o que eleve a verdade desportiva.

CM - Prefere a verdade desportiva ou conviver com a emoção do erro?
Pedro Proença - Prefiro a verdade desportiva.

CM - É mais difícil apitar o Benfica, o FC Porto ou o Sporting?
Pedro Proença - São todos difíceis pela força dos seu adeptos. Tudo depende da classificação e da expectativa das equipas no momento.

PERFIL
Pedro Proença Oliveira Alves Garcia nasceu em Lisboa há 40 anos, a 3 de Novembro de 1970. Árbitro desde 1988/1989, não pensa continuar neste ramo quando colocar um apito final na carreira, em 2016: "Já não tenho 20 anos. Agora tenho outras prioridades. Já chega". É solteiro e trabalha numa empresa de Gestão de Resíduos, como director financeiro. Ao ‘Correio Sport’ revelou que a sua viagem mais espectacular ao serviço do futebol teve como destino o Cazaquistão, num jogo com a Ucrânia, enquanto o campo mais difícil onde arbitrou foi em Braga, num encontro da II.ª Divisão. "Era um dérbi entre o Joane e o Famalicão. Foi muito intenso", lembrou.