Autor

Duarte Gomes

Data: 14/11/2022

Está na hora de trazer o cartão branco para as competições de futebol profissional

Multiplicam-se um pouco por todo o lado os gestos de fairplay no desporto português. Todos os fins de semana há relatos de momentos de desportivismo protagonizados por atletas, técnicos e até adeptos de diferentes modalidades.

O futebol – desporto-rei em Portugal e atividade fortemente impulsionadora de bons e maus comportamentos – não é excepção, felizmente.

Dos regionais aos nacionais, dos escalões de formação aos seniores, chegam-nos notícias frequentes de gestos que nos devolvem a esperança. A humanidade não está perdida, não senhor.

O cartão branco, impulsionado pela incansável equipa do José Lima (Coordenador do PNED – Plano Nacional de Ética Desportiva), é um dos maiores responsáveis pelo alavancar dessa tendência.

Para quem não sabe, este é o único cartão que não penaliza: premeia.
E essa mudança de paradigma, ainda que simbólica, teve a capacidade de produzir resultados fantásticos ao nível da melhoria de condutas dos vários intervenientes. Teve até à capacidade de melhorar significativamente o registo disciplinar das suas equipas.

Por exemplo, na AF Lisboa, a introdução do cartão branco promoveu o aumento de atitudes de fairplay (quem não gosta de ser reconhecido por gesto elogiável?) e reduziu substancialmente o número de amarelos e vermelhos exibidos por época (logo o número de suspensões, multas e afins). Os dados são factuais e não mentem: há uma relação direta entre o elogio público e a diminuição de sanções e castigos.

Tal como outras instituições e federações, também a FPF não hesitou em abraçar esta iniciativa, primeiro nos escalões mais jovens, depois ao mais alto nível (Liga 3 e 1.ª Divisão Futsal).
Os resultados estão à vista: as boas atitudes potenciam atitudes boas. É matemático, não há que enganar.
O desafio agora chama-se futebol profissional. Esse é o salto que falta dar.

A cereja no topo do bolo.

Introduzir o cartão branco nas duas principais competições nacionais não será tarefa fácil, nem organicamente (o processo de aprovação poderá ter de passar por instâncias internacionais) nem na prática (nem todos os envolvidos verão com bons olhos algo que acharão demasiado amador para uma indústria tão profissional). Compreendo… mas discordo.

O que os mais resistentes devem entender é que a Liga Portugal tem aqui uma oportunidade única de fabricar “um produto” que nunca ninguém pensou ou ousar criar antes.

Uma novidade, bem intencionada na sua génese, que seria notícia em todo o mundo (não duvidem)… pela positiva. Pela positiva! Haverá melhor valorização do que esta?

O futebol profissional em Portugal ficaria também conhecido por ter tido a coragem de abraçar uma iniciativa complementar às leis de jogo (que em nada colide com elas), que incentivaria e premearia gestos de exceção, de nobreza ética e desportiva.

Claro que tudo isso teria que ser bem pensado e melhor executado. O cartão branco nunca poderia ser um recurso normal e frequente nos jogos profissionais. A sua banalização retirar-lhe-ia força e eficácia. Não esqueçamos que todos os intervenientes estão moralmente obrigados a uma conduta de ética e responsabilidade.

Mas os tais momentos diferenciados, aqueles que fossem absolutamente excecionais e que merecessem aplauso dos adeptos, deviam ser reconhecidos de forma especial.

Quem sabe a criação de um sistema de incentivos financeiros ou de bonificações disciplinares não fosse cenourinha suficiente para atrair melhores práticas e menos condutas antidesportivas? Quem sabe isso não produziria efeito pacificador entre os diferentes atores, tornando a rivalidade mais salutar e menos cáustica? Quem sabe esta não seria a melhor forma de sensibilizar com resultados, para não ter que punir sem resultados?

O repto está lançado, Liga Portugal.

Não será prioritário, é certo e poderá até parecer demasiado romântico, mas meus amigos… entre sonhar com um desporto melhor ou viver num com “jogos” que não agradam, vou sempre preferir o primeiro.

Pensem nisso. Pensem nos benefícios, até estratégicos, que uma coisa destas poderia significar na marca, no futebol português.
Ousar. Tentar. Arriscar. A história nunca se lembrará daqueles que nunca se atreveram.

Vamos a isso?

Fonte: Expresso