Opinião: Quem defende os árbitros?

Há uma história que me encanta profundamente: a do pequeno Reino do Butão. 
  
Basicamente é uma monarquia cravejada nos Himalaias, entre a China e a Índia, que garantia ser o país mais rico do mundo por uma razão muito simples: media o PIB através da felicidade dos habitantes. 
  
Ora em matéria de felicidade não havia gente mais cheia de vida do que o butanês. 
  
Por isso o Butão desafiava qualquer emirado árabe a provar que conseguia ser mais rico do que aquele pedacinho de montanhas feitas de pedra e de gelo. 
  
Este crédito adquirido durante centenas de anos, no entanto, mudou: mudou no dia em que o príncipe deixou a televisão por cabo invadir o país. Até então havia só um canal e era estatal. A partir desse dia chegou a MTV, a VH1 e a Fashion tv.
  
O país descobriu por isso as marcas de roupa e de bebidas alcoólicas, de carros e de motas, de relógios e de jóias. Descobriu a ambição, a violência e a criminalidade. O que por arrasto demoliu as poucos o nível da tal felicidade de que o Butão dizia ser um caso ímpar. 
  
No fundo, e como já dizia João Calvino no século XVI, a ignorância era felicidade.
  
Ora um pouco como aconteceu com a história do Reino do Butão, tenho para mim que o futebol, sobretudo o futebol português, também era bem mais feliz quando vivia na ignorância: antes de a televisão invadir o relvado, portanto. 
  
As câmaras televisivas derrubaram a ignorância e trouxeram o conhecimento. 
  
Hoje em dia sabemos tudo. Se foi penálti ou se foi fora de jogo. Se tocou no jogador e de que forma lhe tocou. Se a bola bateu no braço, no antebraço ou no dedo mindinho. 
  
Sabemos até se um toque é suficiente para fazer um jogador cair ou não. 
  
Com isso, está bom de ver, o futebol perdeu o sorriso rasgado e a felicidade. Encheu-se, enfim, de teorias da conspiração. 
  
Este é um ponto sem retorno e não vale a pena ir por aí. O que vale a pena, e era a esse ponto que queria chegar desde o início, é aproveitar o conhecimento que a televisão trouxe para o jogo. Utilizá-la sem ser na perspetiva puramente negativa. 
  
Custa-me a entender, por exemplo, como a culpa cai sempre sobre as costas do árbitro. 
  
Lembro apenas dois casos recentes: no clássico do Dragão, Jackson simulou penálti por suposta falta de Tobias Figueiredo, não assinalado, e na Madeira Miguel Lopes foi expulso por uma falta sobre Tiago Rodrigues que não existiu: nem tocou no adversário. 
  
São dois casos apenas, haverá de certeza outros mais flagrantes. A minha memória para casos de arbitragem é fraca, admito: gosto de ocupar o cérebro com outras coisas. 
  
Mas o essencial é que é que num caso como no outro, o árbitro foi a vítima. Num caso não se deixou enganar, no outro deixou: caiu na mentira do jogador do Nacional. Porque não se trata de outra coisa: foi uma mentira. 
  
Uma grande mentira. 
  
Não entendo aliás como se desculpa os jogadores com a justificação que está apenas a fazer o trabalho dele. Não, não está. O trabalho dele é jogar à bola. 
  
Está a aldrabar alguém: está a roubar o árbitro e o adversário. 
  
É no fundo como fugir aos impostos, e esperar não ser descoberto. Ou não pagar uma dívida, e esperar que o tribunal não descubra a falcatrua. É o chico espertismo dos tempos modernos aplicado ao futebol. O que, como todos os chico espertimos, exige uma grande dose de desonestidade. 
  
O árbitro neste casos é apenas um mártir que muitas vezes acaba sacrificado. 
  
Por isso vale a pena voltar atrás para dizer que Liga ou Federação têm de fazer alguma coisa. Não importa quem: importa sim proteger o juiz. Importa aproveitar o conhecimento que a televisão trouxe para o futebol para punir a simulação e castigar a mentira: impiedosamente, como todas as mentiras devem ser castigadas. 
  
E era tão fácil: bastava querer. 
  
Caso contrário podemos pensar que até elas, a Federação e a Liga, têm interesse em alimentar este futebol feito de teorias da conspiração e de polémica. 


Um futebol, no fundo, de controvérsias e brigas, que olha para a televisão e vai ficando todos os dias um bocadinho mais infeliz. Como o Reino do Butão. 

Autor: Sérgio Pereira
Fonte: Mais Futebol