João Capela: «Estruturas dos clubes não aceitam árbitros gregos nos dérbis»

João Capela, antigo árbitro internacional que cumpre a terceira temporada como VAR manager na Grécia, será um dos oradores convidados para o ‘Thinking Football’, congresso que se realiza no final da próxima semana no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, entre os dias 18 e 20.

“Estou muito orgulhoso de participar, será uma oportunidade única em Portugal para que possa haver partilha entre vários sectores envolvidos com a indústria do futebol, não só jogadores, treinadores e árbitros. Há muitas mais coisas envolvidas em torno de um jogo de futebol até que o produto chegue às pessoas. Será uma excelente oportunidade de ouvirmos experiências de outros países, menos ou mais desenvolvidos”, começou por dizer, em declarações a Record, antes de abordar aquela que tem sido a sua experiência no futebol helénico.

“Está a correr muito bem, tem sido muito enriquecedor na minha aprendizagem, uma função que era a única que ainda me faltava fazer na arbitragem: fui árbitro, observador, instrutor e agora sou dirigente, VAR manager. A Grécia é um país desafiante, as pessoas são muito exigentes na expectativa que têm para com a arbitragem, há um passado com a arbitragem um pouco idêntico ao que tivemos em Portugal, de desconfiança e descredibilização em relação aos árbitros de antigamente. Tem sido essa a grande dificuldade neste momento, tentar dar a entender às pessoas que a arbitragem (não só na Grécia) está a caminhar a passos largos para uma maior credibilização. Mas isso tem a ver com a forma como as pessoas recebem isso. O grande desafio é esse”, afirmou.

A verdade é que o seu trabalho e o dos que o rodeiam já deu alguns frutos. Tasos Sidiropoulos, árbitro grego da elite UEFA e com jogos dirigidos na Champions ou Liga Europa, já conta com VAR e AVAR gregos nos jogos que arbitra nestas provas, o que antes não sucedia, com a UEFA a recorrer a elementos de outras nações. “Conseguimos concretizar um objetivo que coloquei. O Tasos fazia jogos na Champions com VAR de outros países e conseguimos que agora ele tenha VAR grego. Foi muito importante”, atirou.

Árbitros estrangeiros

E a arbitragem grega tem vindo a receber ‘reforços’ de outros países, tendo em conta que os dérbis e clássicos mais importantes e mediáticos são dirigidos por juizes de outros países. Luís Godinho, árbitro internacional filiado na AF Évora, dirigiu o dérbi de Salónica entre o Aris e o PAOK, em setembro, por exemplo.

“Nos dérbis, temos árbitros estrangeiros, houve muita resistência dos clubes quando tentámos nomear árbitros gregos para os dérbis e quisemos minimizar o ruído”, explicou. “Mas sim, ter árbitros estrangeiros nos dérbis tem duas questões importantes para reflexão de todos: se os árbitros da 1.ª divisão não fazem dérbis, em termos internacionais terão um défice, porque os jogos principais do seu país são apitados por estrangeiros e isso também é uma dificuldade em termos motivacionais, e trabalhamos muito nisso”, referiu.

“Se fazes esforço para ter árbitros gregos nos dérbis, mas as estruturas dos clubes não aceitam, não vais impor uma coisa que crie ruído e ainda mais aspetos negativos para que as coisas corram mal e aí tens de tomar uma opção. Nesse cenário, tens de trabalhar com os árbitros e fazer-lhes perceber que todos os jogos são importantes, todas as equipas são importantes”, acrescentou, olhando depois para uma segunda perspetiva.

“Parece-me mais grave e se calhar a estrutura de futebol na Grécia não está a perceber, é que assim vais reduzir o recrutamento e retenção de árbitros na fase inicial da carreira: se já é difícil ser árbitro na Grécia, onde há muita exposição, muita comunicação social, muitos blogs sobre arbitragem (são mais de 30), tu vais criar nos jovens árbitros a perspetiva de que as condições para os árbitros são difíceis e que não farás os jogos mais importantes na primeira divisão, então daqui a uns anos será um fator decisivo no número de árbitros disponíveis. As pessoas têm de começar a acreditar mais nos árbitros que há na Grécia”, explicou João Capela.

Em Portugal, o que sucede é a parceria entre a FPF e a Federação Francesa (FFF) para o intercâmbio de árbitros. Já sucedeu em algumas ocasiões no último par de anos e este fim-de-semana voltará a verificar-se, com uma equipa de arbitragem francesa (VAR e AVAR incluídos) a dirigir o V. Guimarães-Marítimo e uma outra portuguesa, liderada por Miguel Nogueira, a rumar a França para dirigir o Lille-Angers da Ligue 1. “A partilha de árbitros é perspetiva de futuro, como acontece entre FPF e FFF. Partilhar e potenciar experiências dos dois lados. Vejo isso a acontecer de forma mais dinâmica no futuro em vários países”, analisou Capela.

Fonte: Record