- 22 Jan, 2025
- Sobre
- Contactos
- Arquivo Blog RefereeTip
“Ser videoárbitro não me entusiasma.” Entrevista a Jorge Sousa
Após 27 anos de carreira, o árbitro, que um dia foi lateral-esquerdo, assume que quer continuar ligado à arbitragem e dar um contributo ao futebol português. A posição de videoárbitro não lhe agrada. Falta-lhe a adrenalina do jogo, aquele que passou décadas a tentar compreender, para melhor avaliar.
O caminho de Jorge Sousa no futebol prossegue fora dos relvados, fora do ambiente e da adrenalina do jogo, do ritmo que o obrigava a acompanhar os lances como um adivinho, como alguém que tinha de antecipar o que iria acontecer, para olhar para o lugar certo no momento exato. Por isso, diz em entrevista a João Ricardo Pateiro (JRP) da TSF o ex-árbitro internacional português, está excluída a possibilidade de regressar na função de videoárbitro.
Nesta conversa com o jornalista João Ricardo Pateiro (JRP), Jorge Sousa (JS) assume que quer continuar a fazer caminho no futebol. O antigo “juiz” fala ainda do seu percurso na modalidade – que começou como jogador -, da perceção que um árbitro tem de ter do jogo, das preferências clubísticas e muitos outros assuntos.
Não posso dizer que seja uma sensação estranha. Já há muito tempo que tenho vindo a preparar-me para este momento e sabia que ele iria chegar. Foi tudo feito de uma forma serena e pensada. Sinto-me orgulhoso de olhar para trás e ver que tive uma carreira que jamais pensei, nos inícios, em atingir. Os últimos anos não foram fáceis do ponto de vista físico, por isso, foi no momento certo que terminei a carreira.
Podia ter prolongado a carreira por mais três anos...Fui convidado pela Federação Portuguesa Futebol, podia ter continuado, mas, por questões meramente físicas, senti que não tinha condições para continuar.
Emocionou-se quando apitou pela última vez?Para ser franco, não. Eu acabei o jogo com a sensação de ser apenas mais um jogo. Não senti nostalgia no momento do apito final. Foi apenas mais um final de um jogo de futebol.
O último jogo que arbitrou foi o Sp. Braga - FC Porto do campeonato. Estava à espera de ser o árbitro da final da Taça de Portugal? Não seria um prémio justo para terminar a carreira?Eu sabia de antemão que seria difícil, porque no ano passado fui o árbitro da final. Portanto, seria altamente improvável que em dois anos consecutivos estivesse na final da Taça de Portugal. Até porque há mais árbitros com valor e qualidade.
Vai continuar ligado à arbitragem?Essa é uma pergunta que muitas pessoas me colocam. Nunca tomei esta decisão a pensar no que poderia vir a seguir. Acabei a carreira e, agora sim, sou oficialmente "ex-árbitro". Eu não tenciono sair do mundo do futebol. Ninguém consegue dizer que está aqui 27 anos e sair do futebol. E, sobretudo, quem adora futebol não consegue, de um dia para o outro, sair deste meio. Evidentemente que a arbitragem é a minha casa, portanto existe essa possibilidade de continuar ligado à arbitragem.
Ser videoárbitro não o seduz?Não, de todo, e isso é uma garantia que eu deixo aqui. Não voltarei a ser videoárbitro. Para quem está habituado à adrenalina do campo, ser VAR não é de todo a tarefa mais entusiasmante. Não quer dizer que não tivesse competências para desenvolver essa função, mas não me entusiasma.
Em que função é que quer ficar ligado à arbitragem?Quero continuar a ser útil ao futebol. Trabalhar no Conselho de Arbitragem? É uma possibilidade que está em aberto. Tem havido conversas com o Conselho de Arbitragem para poder trabalhar com a estrutura da arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol. É uma possibilidade, mas não está nada fechado.
Deveria haver uma carreira de videoárbitro?Diria que não. Eu concebo que possamos ter uma videoarbitragem independente da carreira de árbitro, desde que tenhamos recursos humanos para desempenhar essa função. É preciso dar tempo para "criar-se" mais árbitros.
Na sua opinião o futebol melhorou com a introdução do VAR?Ninguém tem grandes dúvidas. Só quem achava que o videoárbitro era a medicação para curar a doença é que vivia num mundo utópico. O VAR veio reduzir imensamente o número de erros que há no jogo.
Já disse que não quer ser videoárbitro, mas permita-me brincar um pouco. Se fosse "rádioárbitro", já era diferente? Digo isto porque sei que adora rádio e chegou a fazer rádio em Paços de Ferreira.Sim, é um facto. Na altura, quando estava a estudar Jornalismo, surgiu a possibilidade de fazer um programa de rádio e acabei por ser convidado para fazer parte de uma rádio, aos fins de semana. Lembro-me de que, na altura, antes de tirar o curso de árbitro de futebol, antes dos meus 20 anos, andava ao fim de semana a fazer tardes desportivas, a tentar saber os resultados. Recordo com muita saudade essa experiência. Tenho o "bichinho" da rádio.
Qual foi o ponto mais alto da carreira?Tenho a final da Liga dos Campeões em 2012, em que fiz parte da equipa do Pedro Proença. É um momento único. Queiramos ou não, é o jogo! E depois nesse mesmo ano, também fazer parte da final do Campeonato da Europa, é um jogo marcante.
Jogador que mais o surpreendeu?Kevin de Bruyne. Verdadeiramente fascinante. Aquele jogador que recebe a bola parado e, de repente, parece um foguete a arrancar. Se não estivermos preparados ficamos para trás.
Melhor ambiente que encontrou num estádio?Já estive em grandes palcos. Wembley, San Siro, Stade France... mas nada se compara ao Toumba Stadium, o estádio do PAOK.
Melhor guarda-redes?Sou fã do Oblak
Se fosse treinador, qual era a tática que utilizava?Gosto muito do 4-2-3-1, e explico porquê: sou uma pessoa prudente por natureza. Acho que o 4-2-3-1 os dois médios mais defensivos dão consistência ao setor mais defensivo. E depois, porque gosto muito de dinâmicas naquilo que é o meio-campo e jogo lateralizado e com dois bons extremos poderíamos ter uma equipa fascinante.
Revê-se em algum treinador?Jurgen Klopp. Mais do que o sistema tático, é a sua paixão pelo jogo e, sobretudo, aquilo que parece ser o seu relacionamento humano. Tem a capacidade de fazer de uma equipa de futebol uma família.
E se tivesse sido jogador, em que posição é que gostava de ter jogado?Eu fui jogador nas camadas jovens do Aliados de Lordelo. Passei ao lado de uma carreira... pena que tenha sido muito ao lado! Era, na altura, lateral esquerdo, portanto, se tivesse sido jogador, era lateral esquerdo.
Acha que percebe de futebol?É isso mesmo, acho. Porque, verdadeiramente, não percebo nada [risos]. Falando mais a sério, tento perceber o jogo. Muitos treinadores dizem que um dos problemas dos árbitros é não perceberem muito do jogo e, nessa perspetiva, eu procuro estar o mais documentado possível.
Quem foi o melhor árbitro português de sempre?Dos que me lembro a arbitrar, Vítor Pereira.
E o Jorge Sousa em que lugar fica?Em segundo.
E o melhor árbitro português da atualidade?Saiu.
Não quer identificar nenhum árbitro?Acho que, neste momento, a arbitragem portuguesa vive uma fase de mudança. Há árbitros que estão a sair e nós vamos ter, naquilo que é um futuro próximo, muita juventude. Olho para a próxima década, por exemplo, e vejo uma oportunidade fantástica para os nossos árbitros poderem ser um exemplo a nível europeu. E não digo mundial porque a melhor arbitragem do mundo está na Europa. E nós temos todas as condições de podermos ter os melhores árbitros europeus.
Por não ter falado no nome dele, permita-me esta questão: a relação pessoal não é boa com Artur Soares Dias?É um colega de primeira categoria, é árbitro de elite, é o nosso número 1 em Portugal, grande candidato ao Campeonato da Europa do próximo ano, um excelente árbitro, agora é injusto falar de um árbitro porque vamos dar a entender que a arbitragem é aquela pessoa. Nesse sentido, eu prefiro falar no coletivo e no futuro. Não podemos reduzir a qualidade da arbitragem portuguesa a um árbitro.
A arbitragem está bem entregue a José Fontelas Gomes?Tem feito um bom trabalho. Pegou na arbitragem portuguesa num momento difícil e conseguiu congregá-la. Conseguiu fazer com que os árbitros, pelo menos, tivessem apenas a preocupação de arbitrar e crescer enquanto árbitros e, nessa perspetiva, seguramente o balanço é positivo mas também com muita margem de progressão para ser ainda melhor.
Alguma vez o tentaram corromper?Não.
E alguma vez testemunhou alguma história dessas ou que indiciasse algo parecido com corrupção, tráfico de influências?Não, nunca.
O árbitro pode ter clube? E se a resposta for sim, pode ser um dos três grandes?Eu não vejo problema nisso, muito honestamente. Eu acho que só a nossa falta de cultura desportiva é que faz que não tenhamos a ousadia de ir mais longe e dizer qual é a nossa preferência. A questão é: isso faz de mim mais sério, só porque tenho uma preferência clubística? Isso não faz sentido. E depois nós temos a eterna questão: a partir do momento em que alguém se assume, quando erra a favor, é porque é do clube A, quando erra contra, é para mostrar que é sério. Eu percebo quem não assuma e eu faço parte desse leque de árbitros, porque acho que não temos essa cultura desportiva.
E agora que terminou, não quer assumir?Não, porque hoje, 27 anos passados, a minha equipa é claramente a arbitragem. E há uma coisa que ninguém pode ter dúvidas daquilo que vou dizer: vejo o futebol de uma forma completamente diferente daquela que via há quase 30 anos.
Como é chegar a casa, ligar a televisão, e perceber que se cometeu um erro grave? Que se prejudicou gravemente uma equipa num determinado jogo?Essa é das piores coisas que um árbitro pode ter. O nosso estado de espírito é do pior que se possa imaginar. Com o tempo, vamos sabendo gerir essas sensações. À medida que a carreira foi avançando, fui vendo esses momentos de duas formas: primeiro, há lances que, por muito que eu tentasse dar tudo de mim, eu não iria conseguir tomar outra decisão; depois, existem outros lances, por uma razão qualquer, em que eu podia ter feito mais. Eu costumo dizer que o grande árbitro é aquele que anda sempre dois segundos à frente do jogo, porque anda sempre a adivinhar. Um jogo de futebol, naquele que é a perspetiva do árbitro, é o jogo da adivinha.
O árbitro em campo consegue desfrutar do jogo? Se o jogo estiver a ser bom, o árbitro também desfruta disso ou não tem tempo?Claro que tem! Há momentos absolutamente incríveis. Nós somos como os jogadores. Também nos sentimos mais motivados com ambientes efervescentes nos estádios. Aquilo que é o nosso foco no jogo e a nossa adrenalina também varia em função do jogo. Sobretudo quando temos grandes jogos, há alturas em que desfrutamos verdadeiramente. Posso dar um exemplo: eu fiz, há uns anos, um jogo da Liga dos Campeões, em Istambul, o Fenerbahçe - Shakhtar, e nós pura e simplesmente não nos ouvíamos. O barulho era tão ensurdecedor que eu cometi uma imprudência, que assumo aqui publicamente: tirei o auricular do ouvido, guardei-o no bolso, porque não valia a pena tê-lo, e foi absorver todo o barulho daquele estádio, que era a coisa mais maravilhosa do mundo.