Luciano Gonçalves: “A arbitragem portuguesa tem muita qualidade”

Em entrevista a Bola Branca, Luciano Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) lamenta o afastamento de Artur Soares Dias do Mundial do Qatar, mas recusa associar esta desilusão a uma possível falta de qualidade da arbitragem lusitana.

A época 2021-2022 foi positiva apesar dos problemas causados pelos dirigentes, que podem melhorar a sua qualidade, para bem do futebol português, refere o homem que lidera a APAF desde 2016, que volta a insurgir-se contra os casos de agressões a árbitros em jogos dos campeonatos distritais, por muito culpa, garante, dos maus exemplos das provas profissionais.

Que balanço faz das prestações dos árbitros nas competições profissionais em Portugal na temporada que agora findou?

Mais uma vez falou-se demasiado da arbitragem. Continuarmos a não olharmos para o essencial, continuamos a ter o foco muito no clube e menos no futebol. Naquilo que é a nossa autoavaliação, consideramos a época positiva. Foi uma época um pouco atípica, mas consideramos que foi positiva.

A arbitragem portuguesa tem qualidade?

A arbitragem portuguesa tem muita qualidade e não é justo que se ponha em causa essa qualidade por uma ausência no Mundial. A arbitragem portuguesa tem muita qualidade e basta perceber que os nossos árbitros são dos mais utilizados nas competições da UEFA.

Os nossos árbitros foram ao campeonato francês e baixaram a média de cartões. Todos os clubes gostam dos nossos árbitros lá fora. Só que infelizmente, há aquele ditado que diz que ‘santos da casa, não fazem milagres’. Temos uma geração muito nova, uma geração em crescimento e temos muita qualidade na arbitragem.

A ausência de Artur Soares Dias na lista de árbitros para o Mundial do Qatar é uma “espinha cravada na garganta”?

Não nos podemos esquecer que apenas oito árbitros portugueses já estiveram presentes em Mundiais. Naturalmente, tendo em conta a expectativa que tínhamos, estávamos à espera e fazíamos conta que o Artur Soares Dias estivesse presente no Mundial. Não estando naturalmente, isso deixa-nos tristes.

Não apenas pelo Artur, não apenas pela equipa dele, não apenas pelo Conselho de Arbitragem da Federação, não apenas pelos árbitros, mas essencialmente porque a não nomeação dos árbitros portugueses para o Mundial serviu, tal como eu também calculava, para fazer chacota da arbitragem e para justificar aquilo que foram os insucessos desportivos de alguns.

Claro que aproveitaram para dizer que afinal os árbitros não têm qualidade, e isso é injusto, até tendo em conta que o número reduzido de árbitros europeus que estão nos Mundiais.

Já disse que em Portugal os árbitros têm qualidade. E os dirigentes, têm também têm qualidade?

Penso que não deverei ser eu a opinar sobre isso, certamente deve ser para o presidente da associação de classe dos dirigentes. Mas posso dizer que tendo em conta o conhecimento e a experiência e o exemplo, naturalmente sei que podem fazer muito melhor, podem fazer mais pelo futebol.

Esta temporada também ficou marcada por vários incidentes, várias agressões a elementos de equipas de arbitragem, nas provas distritais. Isso também pode ter sido influenciado pelos exemplos dados pelos campeonatos profissionais?

Nós nunca podemos fugir a isto. Naturalmente, tudo aquilo que são os maus exemplos, naquilo que é o topo, têm reflexo nos escalões mais baixos.

É factual, no dia seguinte aos jogos mais mediáticos em Portugal em que tenham existido muitas críticas à arbitragem, aumentam os casos de agressão nas competições distritais. Mas há mais motivos para esta violência. A impunidade. Continua a poder-se fazer tudo. E depois ou não se atua, pouco se faz, pouco se castiga, demora-se muito tempo.

Os castigos acabam por ser muito fora de contexto, ou seja, infelizmente acaba por passar-se uma imagem de impunidade dos campeonatos profissionais para as divisões mais baixas.

O que pensa do trabalho do Conselho de Arbitragem?

Em várias ocasiões não concordei com algumas opções do Conselho de Arbitragem. Mas isso tem a ver com a questão da gestão da arbitragem, aquilo que é a sua estratégia e nós podemos não concordar, mas isso de forma nenhuma coloca em causa aquilo que é o respeito, a lealdade, o trabalhar em conjunto entre o Conselho de Arbitragem (CA) e a APAF.

Onde nós podíamos esperar um pouco mais tem a ver com a comunicação, ou seja, ajudava-nos imenso se o CA comunicasse mais com o exterior para não serem apenas APAF e árbitros a terem o primeiro impacto. Mas o Conselho de Arbitragem tem feito um trabalho muito satisfatório, tendo em conta as condições que foi encontrando ao longo do tempo.

E na questão do VAR, também podia haver uma comunicação mais aberta do Conselho de Arbitragem?

Este CA encontrou a fase da implementação do VAR, que quando apareceu em Portugal tinha solução para tudo, ia acabar com os erros todos.

Ou seja, faltou comunicação para que as pessoas percebessem que o VAR tem apenas quatro situações em que pode intervir. Penso que pode haver mais comunicação, mais explicações para o exterior. Algumas vezes o CA deu explicações, mas deveria ter sido mais recorrente, o que naturalmente iria desvalorizar algum ruído.

O intercâmbio com França tem sido benéfico para a arbitragem portuguesa?

O intercâmbio na altura em que foi lançado e na altura que foi divulgado tinha o objetivo de ter árbitros estrangeiros para fazer os jogos mais complicados.

Eu, desde a primeira hora, mostrei estar contra. Mas tendo em conta, que, felizmente, o objetivo deste intercâmbio foi alterado e as coisas mudaram.

Serve como formação e serve até para nós também percebermos o que podemos aprender com os árbitros franceses e eles connosco. Estou muito satisfeito com aquilo que tem estado a acontecer com o intercâmbio, inclusivé na arbitragem feminina.

Concorda com a divulgação dos áudios das equipas de arbitragem, principalmente do VAR?

Os áudios das equipas de arbitragem a serem tornados públicos seriam mais uma ferramenta para se virar contra a arbitragem. A FIFA também não permite essa divulgação, a não ser por motivos de formação-

A arbitragem não tem que estar a esconder, agora também não tem de querer que a sua comunicação seja audível, ou seja, nós estamos a falar de uma comunicação de arbitragem que é fechada. Só se ouve os árbitros a falar, quando antes podíamos ter tido um jogador ou um treinador a provocar o árbitro.

Não temos as condições técnicas para que possam estar todos da mesma forma. Árbitros, mas também jogadores e treinadores. Se isso acontecesse, se calhar até podia mudar um pouco a educação que devia existir no decorrer do jogo. Agora apenas e só para ouvirmos as equipa de arbitragem falar e serem mais um motivo de chacota durante a semana, isso não concordo

Como é que está o projeto da Academia da APAF?

Nós estamos a analisar várias hipóteses. Felizmente tivemos vários municípios, quando nós apresentámos o projeto, a demonstrar interesse em receber a Academia. Existem algumas condições das quais não podemos abdicar. Ou seja, tem de ser um local com um estádio com campo relvado e sintético, uma pista de tartan, um pavilhão.

Temos alguns locais que nos interessam. Nós gostaríamos que este projeto estivesse concluído antes de 2024.