Entrevista a Artur Soares Dias antes do Euro 2020

Reconhecido pela maioria da opinião pública como o melhor árbitro português da atualidade, Artur Soares Dias tem dois grandes desafios pela frente nos próximos meses: o Euro 2020 e os Jogos Olímpicos de Tóquio. Investir na arbitragem, para valorizar o desporto e proteger o futebol, é o caminho a seguir.

Estreou-se na Primeira Liga em 2004. Recorda-se desse momento?
Foi um momento único, de satisfação. Na altura era um objetivo que já perseguia desde que iniciei a carreira e foi um momento de grande alegria. O jogo opôs o Moreirense ao Rio Ave e recordo-me que tive uma decisão, que não foi muito feliz [risos].

O seu pai também foi árbitro de primeira categoria. Foi ele que lhe incutiu o gosto pela arbitragem?
Sim, foi daí que nasceu tudo e entrou o bichinho da arbitragem. Apesar de o meu pai me dizer continuamente para eu não abraçar esta causa, tendo em conta as dificuldades que todos nós vivemos fim de semana após fim de semana.

Vai estar pela primeira vez, como árbitro principal, numa fase final de uma grande competição de seleções, o Europeu, e nos Jogos Olímpicos. É algo que tinha definido como objetivo de carreira?
Já tinha estado como VAR no Mundial da Rússia, em 2018, e agora será a estreia como árbitro principal. Quando era miúdo, um dos sonhos que tinha era atingir os Jogos Olímpicos, ao contrário de muita gente, que pensa nos Europeus e Mundiais. Por isso, será o realizar de um sonho de criança.

Estar presente no Mundial do Qatar, em 2022, e apitar uma final de uma Liga dos Campeões também faz parte dos seus planos?
Os meus objetivos são, sempre, continuar a crescer, a aprender e a representar a arbitragem portuguesa além-fronteiras. Todavia, mantenho sempre os pés bem assentes no chão porque estão aí duas grandes dificuldades pelo caminho, o Europeu e os Jogos Olímpicos. Vamos passo a passo e ver se conseguimos continuar a representar, e bem, a arbitragem portuguesa lá fora.

É considerado, pela maioria da opinião pública, o melhor árbitro português da atualidade. Sente mais pressão por isso ou, por outro lado, é algo que lhe dá mais motivação?
Encaro isso como motivação e responsabilidade. Sinto que tenho de continuar a trabalhar para não defraudar aqueles que acreditam em mim, que me apoiam e que posso fazer bem, cada vez mais.

Hoje em dia, apesar de todas as críticas a que assistimos diariamente, ser árbitro é apelativo para os jovens?
Essa é uma pergunta muito fácil de responder, na medida em que as pressões que existem, as condições que os árbitros têm nos distritais, incluindo questões fiscais, pressões que sofrem dos pais dos miúdos que estão a jogar, até, porventura, chegando ao ponto de muitas vezes serem agredidos, não é uma carreira que impressione qualquer jovem.

Num clima de violência e ameaças permanentes, como é que um árbitro se prepara para os jogos?
Costumo dizer que me preparo na medida daquilo que controlo. Não consigo controlar a violência, tendo em conta a falta de formação e educação que algumas pessoas têm e apresentam num jogo de futebol. Sabemos que é um momento de emoções, mas há princípios basilares que devem ser respeitados, o que na maior parte das vezes não acontece, infelizmente.

Concorda que a par das ferramentas técnicas, é fundamental dar prioridade à saúde mental do árbitro?
Sem dúvida. A saúde mental e desportiva estão interligadas uma com a outra. O bem-estar mental é tão ou mais importante que o bem-estar físico. Ambas complementam-se e devem ser alvo de preocupação e atenção para se desenvolverem.

As medidas de segurança que protegem os árbitros são suficientes?
Acho que elas não deviam existir, porque o problema está na origem. Não é normal um árbitro ter de andar com um segurança. Não faz sentido. Estamos a falar de desporto e nesta matéria não devia de haver este tipo de enquadramentos, pelo menos não concebo desta forma.

Há alguma medida que, do seu ponto de vista, poderia ou deveria ser implementada para acabar com o clima de violência?
Isso passa essencialmente pelo poder político e pelas entidades que regulam o futebol terem um papel mais ativo, no sentido de punições mais graves, medidas de contenção mais eficazes, trabalhos proativos no sentido de educar as pessoas para o desporto, porque de outra forma, com medidas ou multas baixas, que as pessoas não sintam, não se consegue lá chegar. As pessoas têm muito a ideia de que os árbitros não reconhecem os seus erros e eu costumo dizer que não tenho qualquer problema em me definir como incompetente, tenho sim quando atacam a minha honra, não me conhecendo pessoalmente, fazendo juízos de valor que não fazem qualquer sentido.

É a favor das novas tecnologias no futebol?
Passei por todas as experiências. Quando comecei, os assistentes tinham só uma bandeira na mão e o árbitro um apito na boca e não havia qualquer tipo de tecnologia. Todas as tecnologias que possam vir, no sentido de não sermos o centro da notícia, são muito bem-vindas, até porque faz com que isso valorize o futebol, sendo certo que as pessoas têm sempre a tendência de estarem a pôr o foco noutro facto, que não aquele que verdadeiramente interessa, que é o futebol e valorizar o desporto.

O videoárbitro é uma ferramenta que veio para ficar?
Julgo que sim. Continuo a dizer que a arbitragem necessita de um investimento, na medida em que todo o investimento que é feito na arbitragem é para valorizar o desporto. É certo que se tem feito muito investimento, mas também é certo que ainda falta fazer mais algum, na medida em que as condições que existem já são, deveras, muito maiores do que aquilo que eram há 20 anos, graças ao forte investimento que ocorreu e, portanto, acho que esse investimento acaba por ter retorno, na medida da pacificação e valorização do desporto.

Na próxima época está previsto um intercâmbio de árbitros portugueses e franceses. Sente que isso será benéfico para o nosso futebol?
Costumo dizer que ainda hoje, e após 25 anos, a arbitragem continua a aprender. Ninguém nasce ensinado, quem pensa que já sabe tudo estará a caminhar para o precipício. Eu continuo a aprender e temos todos a aprender uns com os outros, desde que seja com ligas superiores ou iguais à nossa. França faz parte das big-5, portanto será uma oportunidade única para os árbitros aprenderem com competições deste género, de forma a conseguir alargar os nossos horizontes e competências.

Se fosse jogador profissional de futebol, em que posição jogaria?
[risos]. Eu tentei ser jogador. Jogava a defesa central, contudo não tinha grande queda para a coisa. Sendo certo que pelo menos era esforçado e tentava fazer o meu melhor. Não posso, todavia, deixar de dar uma palavra ao Sindicato dos Jogadores, pelo trabalho fantástico que tem vindo a fazer, na defesa dos seus interesses, na criação de novas ferramentas de valorização do futebol, desde a violência ao fundo de pensões. Tenho acompanhado o vosso trabalho de perto. Parabéns pelo vosso trabalho, é, sem dúvida alguma, à semelhança do Conselho de Arbitragem, liderado por José Fontelas Gomes, e no vosso caso, pelo Joaquim Evangelista, duas pessoas que valorizam o futebol.

Entrevista dada ao Sindicato dos Jogadores