Autor

Jorge Faustino

Data: 04/09/2023

Análise ao caso da falha parcial do sistema VAR no jogo Porto – Arouca

Dada a polémica gerada em torno da decisão de reverter um penálti após conversa via telemóvel com o videoárbitro (em virtude do sistema estar momentaneamente me baixo) decidi fazer a análise que aqui partilho.

Data: 3 Set 2023
Jogo: Porto – Arouca
Competição: Liga Betclic (4ª jornada)
Breve descrição do caso: Árbitro reverteu decisão tomada em campo sem ver as imagens (sistema vídeio sem bateria) e após conversa por telemóvel / walkie-talkie com VAR.

Sobre o que sucedeu ontem no estádio do Dragão e respondendo diretamente às questões mais polémicas:

1. O jogo pode vir a ser repetido com base num protesto em virtude do árbitro ter modificado uma decisão após conversa via telemóvel / walkie-talkie com o videoárbitro e sem ter visto as imagens do lance?
As Leis de Jogo impedem essa hipótese quando no capítulo dedicado ao Protocolo VAR referem(pág 148 LJ / ponto 4):

Conclusão: Qualquer protesto nunca terá fundamento.

2. O facto do árbitro ter tomado a decisão com base numa conversa com o videoárbitro, e sem ver as imagens, configura uma cabal violação ao protocolo?

Para responder a esta questão temos de olhar a vários pontos do protocolo VAR. Tanto a versão resumida que está presente no livro da Leis de Jogo como a versão completa fornecida pelo IFAB (VAR Handbook) e cuja última versão é a 14.

a. O protocolo define uma série de princípios que devem ser observados. Entre eles (pág. 142 Leis Jogo);

Explicação: Uma revisão e consequente alteração de uma decisão pode acontecer de duas formas: indo ao monitor ou apenas por indicação do VAR. Terá de ser sempre o árbitro a tomar a decisão final.

b. Nos procedimentos de VAR, são referidas duas questões importantes (pág.144 LJ):
– Só o árbitro pode tomar a decisão final
– Mas o VAR é equiparado aos restantes elementos da equipa de arbitragem

Explicação: O VAR é como outro elemento da equipa de arbitragem. Não toma decisões, mas pode ajudar o árbitro para que este tome a (boa) decisão final;

c. Na definição de “Revisão” ou “Review” podemos ler que esta pode acontecer por iniciativa do árbitro ou por sugestão de outro elemento da equipa de arbitragem, nomeadamente o VAR (Pág. 146 LJ):

Explicação: O VAR pode sugerir ao árbitro uma revisão sempre que entenda que foi cometido um erro claro e óbvio;

d. Ainda no capítulo da “Revisão” ou “Review” (pág.146) é referido que o árbitro tem duas opções:
– Tomar a decisão após se deslocar para ver as imagens (OFR – On Field Review)
– Poder tomar a decisão com base na informação, por ex, do VAR

Explicação: O protocolo prevê e permite que uma decisão seja tomada com base na descrição/informação feita pelo VAR via comunicações áudio;

e. Continuando no capítulo da “Revisão” ou “Review” (pág.146) são dadas indicações sobre qual os tipos de revisão normalmente apropriados para cada situação.
– OFR (ver imagens) é frequentemente apropriado para situações subjetivas
– Revisão apenas pelo VAR para situações factuais

Explicação: Neste ponto podemos ver aquilo que deve normalmente ser feito com a indicação de que uma situação subjetiva deve normalmente justificar ida ao monitor. A forma como está escrito não impede, no entanto, exceções.

f. Passando para a versão completa do protocolo do IFAB, versão 14 do VAR Handbook, podemos encontrar tudo o que acima foi apresentado e ainda ver reforçada a questão de que sendo o árbitro é responsável pela decisão final, pode tomar essa decisão de rever e alterar um lance apenas com base na informação dada pelo VAR (pág. 18 VAR Protocol v14) no ponto 2:

Explicação: O VAR Handbook reforça que o árbitro pode tomar uma decisão apenas com base na informação que o VAR lhe passe via comunicação áudio.

g. No mesmo documento encontramos a única referência relativamente a procedimentos numa situação em que o sistema falhe. (pág. 28 VAR Handbook v14). Aqui há duas hipóteses:
– Avaria total
– Avaria parcial (aplicável neste caso porque o VAR continuou a ter acesso a imagens)

Explicação: No caso da falha ser parcial, conseguindo o VAR continuar a fazer “check” dos lances (foi o que aconteceu) está previsto que este possa continuar a comunicar com a equipa de arbitragem e a fazer “review” de lances.

Atendendo a tudo o que foi acima referido, reforça-se que:

1. O árbitro é sempre responsável pela decisão final;
2. Em situações de interpretação, como foi o caso, o árbitro deve sempre, idealmente, ver as imagens e decidir com base nestas;
3. Apesar de assim ser aconselhado, nenhum dos pontos referidos proíbe o árbitro de tomar uma decisão com base em informações passadas via áudio pelo VAR. Da mesma forma como o árbitro aceita ou não uma indicação de outro colega de equipa.
4. Está prevista uma forma excecional de comunicação entre VAR e equipa de arbitragem no caso da comunicação falhar.

Conclui-se assim que o procedimento adotado nesta situação excecional, apesar de não ter sido o ideal e de estar longe daquele que é o preconizado, não violou os objetivos e princípios do VAR e serviu os interesses da verdade desportiva, valor máximo da existência do VAR.